sábado, dezembro 29, 2007

Fecho

Sou eu quem tem de fechar este livro que começaste
Quando em ti havia o alegre querer de fazer comigo
– não tudo
Não podia ser tudo.
Mas quase tudo, acredito e acreditaste
Se impregnava da alegria do que havia entre nós.
Isso acabou. É a natureza das coisas. Eu, quando acabar,
Quero ser cinzas. Mas que cinzas
Pode um blog deixar?

E lerás algum dia isto? Ou cinzas são o olvido
De um grito nunca lido
Nas entranhas de um computador?


291207-0213

Últimas

Há cartas que custa meter no correio
Há palavras que custaram ser ditas
Rujo surdo numa dor que não quis conhecer
Não secam as lágrimas não

Há mesmo morte e não acreditei
E agora a minha anunciada enche-me de pavor
E teres pena de mim... que desaforo, que não mereço
A lutar sem armas pelo teu amor
Que não se reacenderá

Rujo surdo e choro na rua
É do frio já se sabe
Ou então mais um velho que chora

Não está lá ninguém – nem bato à porta
Dos tais fieis amigos que há sempre nesta altura
Morrer é sozinho e ninguém conta como foi

E está tudo certo assim é que é
O tempo certo mas sempre curto
Não sabia nada até agora
E o que sei tem por trás canções que me fingiram
Quando ainda até canções havia

Mesmo a lua que foi cheia para nós está doente
Deitada torta à espera de se sumir
Fantasias, imagens como outras

Doce olhas para mim e o beijo nos lábios
É adeus garantido uma vez mais
Eu devia fugir e não sei para onde
Perdido no meu espaço exacto e tão útil

Só partir é a resposta mas não há sítio
Quando quem partiu foste tu que era a altura
Exílio agora é mesmo substantivo
E não mudança de estado

Que farto estou dos lugares-comuns que fazem o choro
Que farto estou de ser friável e não granítico
Que pena tenho que a última oportunidade
De ser o homem que sonhei se desfaça
Nesta poeira talvez bíblica
Ao menos essa consolação – já o disseram
Sou pó e em pó me tornarei

Amigos meus tiveram doenças solenes
Corações que pararam e que por sorte
Alguém reanimou. Passaram eles
Por este estalar insuportável? Dizem que não
Que de repente desmaiaram... Então
Serei eu um dos tais a quem nem esse dom é dado?
Que de um coração quebrado sem esperança de emenda
Tenha que viver com os restos desacertados?

Eu jurei que nunca faríamos mal um ao outro, e jurei
Não és tu quem me faz mal
Sou eu que deste mal fiz tragédia
Não sei continuar
Ruje surda uma dor que nunca tive
Eu que nunca passei fome
Nem guerra
Nem perseguição




301107-0350

terça-feira, outubro 09, 2007

Radar

Faço o que posso, e estou-me a esforçar
às voltas com muros quintas e casais
tão importantes como os cavaleiros camponeses
do lago de Paladru – pois, reconhece-se a citação.
E por aí, talvez, o que quero dizer. “Conhece-se
a cantiga”... E na estação
de rádio que sintonizaste uma canta
“O amor faz-me morrer, o amor
faz-me viver”. Eu sei exactamente
A canção
que ela quer cantar.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Conversa de Café

Na mesa ao lado um homem fala
E não posso deixar de o ouvir: é forte
A sua voz. Ele diz, intenso,
Á mulher que o escuta, atenta
“Não sei se me ama ou não, ou quando
Deixará de me amar. Mas sei, isso sei,
Porque tudo mo tem provado,
Que é forte e bom o lugar que ocupo
Na sua vida e no seu coração.
E isso chega”. Inclina-se para trás
Empurrado pelo sopro do que proferiu.
Ela olha para ele com o doce sorriso
Da irmã, ou da filha, ou da filha-irmã,
Que é o que são as grandes amigas dos homens
Mais velhos. Pelo sorriso vejo que não é ela
O objecto da paixão que o anima.
Levanto-me e pago, levado
Por uma enevoada melancolia.
Naquele homem veemente
Há um quê que reconheço em mim.

domingo, julho 29, 2007

Ausência

Passou-se tanto tempo. E não escrevi nada
Daquelas coisas que fizeram o cerne do que sou
Sabes, a inquietação, por exemplo... Mas ou
Estive longe e assustado ou acalmada
Foi a minha aflição. Por ti, pois por quem mais
Mesmo que no mesmo espaço caibam
Os outros que amamos, saibam ou não saibam
Do que nos liga.

Para mim é a família, a próxima e a que o tempo alargou
Para ti os amigos
Eles, os que nos querem longe de perigos
Senão quando é com eles que se correm.
Perigos mais ou menos fáceis, já sabemos,
Não aqueles em que as pessoas morrem,
Quem aceita
A morte, heróica que seja, de quem queremos...

Ai, estou perdido em palavras, é pelo absoluto
Ter que rimar à força. Mas quero lá saber de rimas
Ou métrica escorreita,
Quero é estar aqui contigo hoje como estivemos
Num ontem qualquer
Que nem é já impoluto...

(tenho tanta pena... queria que fosse perfeita
a simples sequência dos dias, sem ter nada lamentado
sem nunca levantar a voz, ou ver-te zangado...)

Que silêncio pesado o que está na minha alma!
E sei lá porquê... é por me lembrar
De heroísmos vistos em filmes que me causam
Esta ânsia... São tão nobres esses caracteres
Das séries de televisão... Fazem chorar...

Tenho saudades, tens saudades, é tão bom saber
Que o meu amor não tem que ser desesperado, nem o teu
Que estamos longe mas calmos e seguros
A contar com um reencontro que não será longe.

O nosso paraíso tem serpente e sabemos-lhe o nome.
Mas vivamos inocentes como se a pudéssemos domesticar
Como se nunca houvesse perigo do traiçoeiro bote
Como se por não a querermos ver ela deixasse de ser
Dêmos razão ao bispo Berkeley
Sou porque és e és porque sou
E fora de nós é cenário interactivo.

O medo da morte rechaça o amor
Mas também, disseram-me agora mesmo e sabiamente,
Quando se ama a valer é inevitável o medo
Erosivo de se perder... Pois como se pode continuar
Sem o que é essencial, a água, o ar, o básico alimento
De que até os ascetas carecem. Pois água ar e alimento
É o que és, posso lá sequer pensar em juvenis anseios
De ser eu e eu e só eu e por mim haver mundo... eu não!
Para mim, é tão simples e tão claro, mesmo que lamente
O tempo que vivi e que foi tanto sem que existisses aqui
Mas és tu, és tu, e eu com tudo o que construí
Não valho nada, não sou nada, nunca fui antes
Nunca serei sequer coisa nenhuma
Senão por saber que estás aí

(feliz como um passarinho, pois é, a imagem é pobre,
mas é assim que te vejo
a dar a todos os momentos em que aí estás e sem que te lembres sequer
o dom cósmico do sorriso
e de tudo o que dimana de ti por ele)

Eu terei que ser grande, claro, e por isso vivo
Nem sei onde começa a grandeza senão na simplicidade das pequenas coisas que faço
O melhor que posso
Eu que não sou nada, serei grande
Por ir tentando ser tão grande quanto tu me fazes ser!
Eu construirei catedrais
Eu darei ordem ao mundo
E ninguém saberá que o demiurgo é apenas este homem
Que viu o sol nascer pouco antes de se pôr
Um coisa-nenhuma que se tornou ser pelo amor que lhe deste
E tanto tempo levou a acreditar! Tanto medo!

Agora estás longe, amanhã estarás por ventura perto, depois de amanhã não sei,
Sei que vais estar longe de novo, isso sei e preparo-me para a ausência
Como dantes os que viam partir mareantes
Com medo da morte mas com esperança, só deus sabe... Senhora do Regresso
Fazei com que ele volte! Que o mar revolto afoga! Sem ter dó
De quem na praia espera!

Que música conseguirei ouvir se não for a tua ou mesmo
A que tentei que por minha te pertencesse
Que lua poderia encher-se se não estivesses tu para a ver comigo cheia
Que histórias se poderiam contar se não estivesses lá para as ouvir

A ausência faz este terrível pavor mesmo com tantos meios
De reduzir o silêncio
“tenho saudades de ti também”... e isso é bálsamo
Mas ter-te aqui
Oh meu deus, ter-te aqui
Ter-te aqui
Ter-te aqui
Ter-te aqui.

domingo, maio 20, 2007

A festa

Vim agora da festa para que também foste convidado
Não sabia, mas eram os anos dele, vê lá tu, ele touro
E ela caranguejo... depois lembrei-me daquela noite
No restaurante em que se falou disso e eu senti
Que havia ali um segredo meu nessa cumplicidade oculta
De tu também seres touro e eu caranguejo...lembras-te?

Quando cheguei um grupo tocava animado
Um homem e uma mulher ao piano, um rapaz na guitarra
E outro numa caixa de percussão
daquelas coisas electrónicas
que se podem tocar com as mãos como se fossem bongos ou com baquetas

Depois a Di cantou blues,
Tem uma voz quente com o seu quê
A seguir veio outro para o piano, um branco que tinha um timbre especial
Um pouco rouco mas bem modulado
a cantar o Down and Out do Otis Redding
E que acompanhou uma mulher linda, no Summertime
e depois um negro que tocava muito bem composições suas,
jazz, um pouco como o Bill Evans,
e depois um angolano a cantar e tocar à guitarra, o Muxima
Não foi fantástico mas era sentido
A certa altura estava eu sentado bem lá atrás
A curtir mágoas indefiníveis e dores de barriga
Por causa da ressaca de ontem... e ouço uma vozinha
Cristalina, uma voz de criança? Mas a música era tão elaborada!
Aproximei-me e era mesmo uma menina
Uma negrinha com totós e não mais que sete ou oito anos de idade...

Dançou-se muito, e bem, as mulheres então! Umas artistas! E não apenas
As negras! Que essas já se sabe...

Chegou a vez de mais alguém mostrar os seus talentos
Veio um irlandês cantar uma balada daquelas

E um saxofonista

E uma rapariga que começou a tocar o Sodade e logo
Um outro africano veio cantar com ela
E cantou-se em coro o refrão...Saudade senti eu, que ao coro me juntei...

E uma ruiva que recitou expressiva um poema sobre não ter medo

Foi uma bela festa, pois foi, sempre alguém a tocar ou a cantar ou a tocar e cantar
E fazia-se o caminho para a comida e para o vinho a dançar

Eu estive sempre um bocadinho aparte
A amiga com quem fui veio ter comigo e disse sentes a falta dele, não é?
Eu disse que não era isso, era apenas dores de barriga
Mas é verdade que não estavas lá tu, e era uma festa à tua medida
Havia lá um rapaz que se parecia contigo
Eu olhava para ele e pensava quem me dera que ele cá estivesse
Desta vez havia tanta gente da tua idade...

Eu sei que aquela onde foste pelo teu lado não terá sido pior
Que te terás divertido imensamente nela
Ouvido a música de que gostas num ambiente que deve ter sido especial
Certamente dançaste até ficares exausto
Estou a ver-te no pavilhão do silêncio... entregue...
E nisso estou feliz. Mas não me queiras mal
Por não conseguir que sem ti haja festa a valer para mim.

quarta-feira, março 28, 2007

Diário

Muitas vezes tenho sentido o que sem palavras me tens dito:
Falar do que se sente pode ser mentir, mesmo quando a vida nos ensina
Que falar de amor a quem se ama pode ser mais verdadeiro que calar
Porque no que se diz está o que os gestos não conseguem, nem o abraço
Apertado e fundo que quer passar além da pele e do corpo.

No meu diário escrevo o que não ouso dizer-te, as dores que sinto quando morde
O medo do que sou e do que o tempo pode fazer ao que és. Ah, como dói prever que não
Te terei sempre mesmo que o meu sempre seja tão curto já! E temer essoutro que se esconde
Nas dobras do futuro ou se desenha claro a partir do esboço de um passado a que assisti
De tão perto quando estava tão longe na distância física! E que te poderia levar...

Mas também lá escrevo as coisas do meu amor por ti que, porque ninguém lerá, não correm
Esse risco mortal de perder a verdade se pronunciadas... É aí que sei que posso
Murmurar-te à vontade as minhas adocicadas tolices ou gritar para que se ouça longe
Porque o que lá está e que é só para mim é igual, igualzinho tal e qual, não muda uma palavra
E sublime é o mais comum adjectivo, espontâneo, distraído, autêntico e sentido.

E sei que, mesmo que digas “não me ames tanto” ou até o sintas sem mo dizer,
Porque a tua delicadeza não o consente, porque magoar não é parte de ti,
No fundo o meu amor te agrada e que as jaculatórias que numero para ser menos
Cansativas te enternecem. A cada passo, um gesto teu, um sorriso, um olhar,
Me fazem ser o rei do mundo, o príncipe inesperado de um grande amor.

E sei que não o mereci, que me foi dado, como se eu, um soldado do pelotão
Tivesse sido aleatoriamente escolhido para zelador de um templo onde se oculta
Inacessível e sagrado o que faz viver um mundo, a fonte de toda a luz.
Eu que não valho nada, que nunca fui herói, nem sequer aluno aplicado, sou agora
O guardião dos deuses, com o prémio inesperado de ser, obscuro, o maior dos homens.

domingo, março 18, 2007

Dead Combo

pedra... trago de cidra fria
preenchimento incompleto, percurso vago
e garganta vazia. sem regra nem traço.

E eu estou cego; mas há luz por todo o lado.
Sentou-se sem pedirmos, a teu lado
O que é uma caricatura do passado.
Fiquei indeciso no dizer que não, não sou eu
Quem fala destas coisas; é a música
Que ressoa como nova; o céu
É este louco estroboscópio ligado.

tenho o braço parado bem fundo
e é tão pouco o fumo que sobe
mas é com grado que o tempo rasga
as notas quebradas de um brado
riso insano o do homem que sabe
e bebe escorreito o vinho gelado.

Que vinho é esse? Bebe-o o som desvairado
Ou o silêncio que diz o que
Por muito que fale não digo? Calado
É a música deles que narra. Quem és
O que ouves esta música? E porque
Sinto que nela tens um segredo
Não desvendado?

onde se abriga a cadência do sonho?
que dúvida se dilui nesta melodia?
o caminho da certeza é uma troça
que obriga sem força a insistência
deste rito medonho, que se exclui
na incumbência obrigatória do dia...

Tira fotos, disse, e tiraste. Fica
O momento inultrapassável de nós -
Quem sabe o que vem a seguir ... a voz
Deles é agora a nossa. A nossa é melhor
Se fôr calada. Como o som de rios
Que nunca chegam à foz.

incompreensão transparente insegura
signos que vomito sem que a culpa
salte bruta na relva rente
letra que inaugura o poço da razão
que o erro da dupla ribalta
faz cócegas suaves no coração...

Quem tem olhos que veja! Aguenta
Os ventos que dão violência! Sê
Seguro terreiro do fado que sustenta
A dor que não se vê. Ah! ser capaz de saír
Daqui e esquecer que a noite acaba
E o dia vai nascer...

no improviso final que se faz círculo
a disposição confusa dos dedos
que são vínculo sabido crucial
na negociação do ângulo obtuso
saído do rasgão curioso
da fugida augusta do ser ruidoso

Quem me dera não ser eu... quem me dera
Ser o sonho sustentado que é só teu
E não temer nunca o que se espera.

sábado, março 17, 2007

Cidade

Voou, ainda agora, por aí, um momento,
Que, como tantos, bem o sei, não é para agarrar:
Como as palavras que digo sem pensar
É livre mas carregado de sentimento.

Foi a lembrança da cidade que me fizeste ver
As saudades de ruas e praças enfiadas
No colar que se faz das rotinas acertadas
De ir e vir calmamente, sem correr...

Aqui a cidade é grande e nela nos gastamos.
O metro é um escavar diário pró destino
Tanta gente e ninguém com o sol-menino
Que por trás de uma catedral levantamos

Por ti espero, agora, paciente, hás-de chegar
E dirás que canseira! Tanto tempo que se passa
que podia ser tão nosso, a passear,
Eu e tu neste estado em que estamos, de graça...

Mas esta cidade em que se perdem tantos
Que não são como nós, encantados
Também nos oferece pequenos recantos
Que somos descobridores nisso empenhados!

E hei-de te mostrar o que amo nela, o que vi
Quando ainda estava prenhe, sem o saber,
Do que tinha gerado e guardado para ti
Que vieste para que eu ta desse a conhecer.

segunda-feira, março 12, 2007

Retrato de família

É sábado à noite. A companhia que veio aqui
(E que foi agradável) já se foi. Tu estás, eu sei
Louco, numa festa!, na terra ancestral
Regressado dessa ausência que tanto me custou
Mesmo sabendo o bom que fora para ti.

Mas ainda é cedo para me deitar; vagueio então
Por estes locais virtuais, recordações já, as fotos
Que te tirei, os poemas que te escrevi. E vou
(Olha que os meus sentimentos aí são nebulosos!)
Até ao blog que tu e os teus amigos fizeram
(Que li antes, perversamente, com pensamentos invejosos...)
Para estar uma vez mais no que era quando
Todos os dias temia que por eles te perdesses de mim.

E há últimas imagens! Que não conhecia
E que são da tua despedida desses locais
Onde foste tão feliz! E até apareces, como tinha que ser!,
Num pequeno vídeo, feito estrela musical,
A extravasar o teu humor e a tua alegria!

E sem perceber porquê sou eu quem está saudoso
Vem-me um soluço de nostalgia
E a zanga comigo mesmo por ter tido inveja,
Por ter sido ciumento, por ser odioso
O veneno posto na tua inocente harmonia.

Talvez o que sinto agora seja redenção
Rir-me por te ver ali tão tolo a divertir-te assim
Entregue aos que te amaram como merecias
Pelo que foste para eles como és para mim
Lugares diferentes e o mesmo coração.

E lamento ter sentido o que senti
Lamento não ter estado, aqui, sempre convosco
Nas imagens que mandaste, e, em vez, ter sido
Mordido pela corrupta inveja por não ser um deles e lá
Não estar. E tenho saudades como se fosses tu a tê-las
Comovo-me a imaginar a tua nostalgia
Ao ver o retrato de família e a nova estrela da música popular
Italiana... Quem me perdoará?

domingo, março 11, 2007

Bem-vindo

(Em honra da tarde de seis de Março de dois mil e sete)

Bem vindo porque vieste; e o teu sorriso,
Ainda que misterioso, desmontou
Os meus pavores. Bem-vindo porque me deste,
Uma vez mais, o que tens de tranquilo. E eu,
Que sou este molho electrizado de nervos
E medo, acalmei. Ali, como se fossem novos,
Repetimos gestos antigos. E o meu choro não é
Já o do terror, mas o do reencontro, como quando
Os soldados vinham da guerra e quem os esperava
Não sabia sequer se ainda os reconhecia. Bem-vindo.

O tempo é um grande escultor, dizia ela
Que sabia destas coisas – era velha – e contudo
Nela esteve sempre o olhar maravilhado pelo que pode ser
Um amor como este. Narrou-o. Mas também
Falou de separações inevitáveis quando o fado
Manda que o amor acabe. E isso foi sempre o que li
Com mais atenção. Mas não foi hoje que aconteceu. Bem-vindo.
Hoje foi dia de festa para mim, o atormentado,
Que, por desgostar de si, desconfiou. Mas agora e aqui
Iluminas, por ti só, a esperança que voltou.

sábado, fevereiro 17, 2007

Discreto

Abri: o que entrou era lixo, porcaria
Gente que pensa em contas no dia dia
E troça dos que amam sem pensar
É nosso o que é nosso e assim está bem
Arte é para os outros, mostrar
O que somos, seria para nós discretos
Uma forma de exemplificar: mas não é
Preciso que mostremos o que de delicado
Temos: eles não sabem e não querem.

Mas nós somos mesmo assim, independentes
Do que dizem e pensam esses outros,
Doentes de si próprios e sem conhecer
O princípio do que nos rege. E de que nem sabemos
Os contornos certos. Mas está lá
Discreto e contido mesmo que digam
Que é sentimento ou coisa desprezível
Como o sentimento pode ser quando não certo.
Mas este é nosso e exacto. E guardado
Deverá ficar porque nosso se mantém
Mesmo que lá fora não haja lugar nem tempo
Como aquele que acabámos por sem saber
Inventar como nosso e firme nisso.

domingo, fevereiro 11, 2007

Episódio

Vou-te contar: estou aqui,
Bem acompanhado, tenho que o admitir,
Há um passado que finalmente desmontámos
E neste momento preparamos o seu futuro
O do que me faz companhia, agora.

Falamos com a calma dos anos sedimentados
De coisas bem práticas como a sua arte
E da música que ouvimos. E no entanto
É sobre brasas que estou. Daria tudo
Sacrificaria a estimulante companhia
E a conversa que tira de mim o que sei
Por uma coisa tão simples, tão simples,
Como uma mensagem no telemóvel,
Qualquer coisa que dissesse “também eu
Aqui, onde estou, e bem acompanhado,
Acho insuportável não ser contigo que estou”. Mas isso
Sou eu a desejar; e quando se deseja
Desta forma pungente e final, ele,
A companhia inteligente e simpática que é
Deixa de ser: é só em ti que penso. Mas
Olha! Que grande novidade! Afinal
É só em ti que penso, só ou acompanhado,
De dia, de noite, a dormir, acordado
E que posso fazer para resistir a isto...
Ou é amor que aceitas e retribuis ou então,
E nisso temo ter que ter cuidado,
Doença que me levará. Sem ti não há
Futuro ou presente, até mesmo o passado
Fica por ali, o tal que daria histórias
Para contar contínua e alegremente
Se fosses tu quem as ouvisse a meu lado.

Inocência

Ele falou-me dos seus amores traídos e de
Como, por isso, confiar se tornou tão difícil.
Ah! respondi, como te compreendo! Também eu
Tenho tanta dificuldade em aceitar como tal
O que simples se apresenta! É que logo construo
Os instrumentos que me levam à tortura permanente...
Sim, diz ele, não telefonou nem respondeu logo
Às minhas mensagens... E eu desespero...É isso!

Concordamos então que temos de reaprender
A inocência que os do passado nos fizeram perder
Para acreditar agora, para confiar, calmos
(Calmos?! E os dois rimos com amargo conhecimento)
Que quem nos ama agora não precisa de nos dizer
Como nós, que já sofremos, precisamos de ouvir:
Para sermos de novo inocentes tanto trabalho a fazer...

Mas isso, digo eu, já não é inocência... Isso poderá ser
Quando muito sabedoria... E poderá a nossa ser
Suficiente para não destruir o que amamos? Ficamos
Calados. O limpa vidros do carro em que vamos marca
Monótono, o longo caminho que ainda há a percorrer
Companheiros de umas horas, cúmplices
De um pequeno e frágil íntimo momento.

Sábado

Hoje é Sábado e até tinha companhia
Para me dissipar pelos bares da cidade em álcoois mais caros
Do que acabo por tomar aqui, só,
Com um que, como eu, também sente
Que não é lá que se resolve o seu dia.
Afinal – nem ele és tu nem eu
Sou remédio para o que o destroçou.

The urge

“The urge” disse ele, o homem
Que está ali agora e foi
O rapaz diáfano que fotografei
Há um quarto de século. “Qual é
A palavra em português?” Nem ele
Nem eu sabíamos – mas hoje
Vinte e cinco anos depois, ele compreendeu
O que me levou a fixar em imagens de celulóide
A sua efémera beleza.

Labília

Labília chamam eles, os que conhecem
A terminologia,
A uma tal vontade de chorar.
E assim se torna clínica esta coisa simples
Que vem simplesmente de amar.

Espada

I
Não estamos em guerra!, dizes tu
Mas a guerra é que está aí à espreita
E escolhe os parceiros para o triste jogo que inventa
Ou então pior, joga à cabra cega: “quem perdeu
Morreu”.

II
Se nos é pedido que desembainhemos
A espada que sonhámos fosse arado
Mal sucede por não fazê-lo ao que nos é dado:
Pessoas, bens, valores, que não defendemos.

E é nisso que assenta a sabedoria
De esmagar, impiedoso, ressentimentos
Esses monstros venenosos que se escondem
Atentos, nos lugares designados para abrigar
A alegria.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Oráculo

Leio oráculos e sinais e não entendo
Há tempestades e mares a atravessar para o homem nobre:
Mas quem é superior ou inferior neste jogo?

Nada percebo do que leio mas sei o que temo
E contudo não posso mais transformar em doméstico utensílio
A espada que tenho que brandir. A paz é a boa quando a guerra
Está vencida. Desventurado o que ficou com a espada na bainha
À espera do momento em que não seria requerida.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

lhasa

puxa as cordas vigoroso, genica!
que a mulher canta de dentro do túmulo
que canto harmonioso este que espevita
e até me faz reaver a fé, que cúmulo

ressonância que trespassa a janela
invade o mundo e ninguém sabe o que é.
encanto? a vaidade ameaça a voz dela
enterrando, em vão, bem fundo o meu pé

a força que me estaca contra o chão
do existir nos vales desta cidade
e no som penoso desta canção

violência que me amarfa sem piedade
prazer doloroso! são minha fé...
é pena que a gente não sabe o que é!

sábado, janeiro 27, 2007

Força

Fosse eu vento para empurrar as velas que desdobras
Fosse eu ferramenta ou instrumento útil para construíres
Fosse eu água refrescante pr’o teu cansaço, ou noite
Tranquila onde adormecesses. Fosse eu o de que precisas
Agora! Mas não posso ser mais que isto onde estou:
A voz que te encoraja na distância e a fé que tenho no que és.

terça-feira, janeiro 23, 2007

coado

alguém que arranje aquela ampulheta entupida,
deserto coado, esfinge que espreita
a infância perdida, tamanho cliché...
mas assim é, que posso eu fazer
se me sinto enrolado? a gente é que finge!

segunda-feira, janeiro 22, 2007

apelo

faz uma espécie de salto quando passa,
não sei se é alto mas parece fraco,
o interior da concavidade amassa
o gosto amargo da dor em que atraco

a ressonância trespassa vazia
as camadas desta ânsia furtiva
quando a malha do novelo fazia
uma volta acidental e cativa

no pescoço encarnado cresce um pêlo
enrolado, como cachos azedos
que no tempo limitado do apelo

se desfazem num oceano de segredos,
que degredo! este estar sempre com medo
e sentir-se vencido desde cedo!

sexta-feira, janeiro 19, 2007

novelo

esgrimo cansado contra o tempo
ironias desenhadas que defino
como escasso resultado

o que me assalta tão veloz
é o azul deste cansaço
força bruta que em si conta
esta voz que em mim faz troça
e assim solta a ponta grossa
do novelo à minha volta

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Serenidade

Pela curva da estrada espreito espraiadas
As ondas que curvaram o covo onde uma tarde
Nos abrigámos, ao sol, do vento salpicado de areia.

Hoje o mar é chumbo azul e a espuma
De vagas sucessivas e paralelas uma zanga
Pelo tempo que está, o céu carregado, o vento frio.

Em mim contudo nasceu um quente sol gerado
Por esse sol mais antigo que nos aqueceu
Dormentes, estendidos na areia, lado a lado.

Amarelo

Há algures aí
Uma chama amarela
Perdida e escondida
Num casco de pedra

segunda-feira, janeiro 01, 2007

Feliz Ano Novo

São quarto da manhã: saiu agora
O último convidado desta noite. E
Logo a seguir toca o telefone: és tu.

E nisto, e no que me disseste, a minha festa
Ficou a tua; e a tua, a minha. A ligeira melancolia
Do cigarro fumado na marquise sozinho -
Com os outros mesmo ali, mas só contigo,
A imaginar-te na tua festa e eu aqui
Como tem que ser - desfez-se em fumo
Mais diáfano que o do cigarro.

Estás sob uma azinheira que respira
E pedes-me que respire com ela: e isso
Faço, sem me custar, é natural.

Contigo respiro perto ou longe
E o longe de hoje foi tão perto como pede
O meu sobressaltado coração. E dormirei
Com a roupa em que deixaste o toque
E o cheiro. E do lado da cama
Que se recorda do teu dormir. És um parvo
Dizes, pois sou, e respondo, tu também
Porque a distância não tem significado
E neste estarmos longe e perto estamos bem.

A luz, dizes, é azul e verde e amarela
Talvez como a que segue um outonal poente
Ou como a que quis pôr no que hoje pintei.

Talvez a lua não esteja cheia quando chegar
A hora de partires pro teu destino. Mas hoje
Ele encheu-se de nós e da melodia
Que surdamente cantamos enquanto toca
A música que te leva agora a ir dançar.
Por ti esta noite foi nossa – a primeira
Deste ano que começa. Feliz Ano Novo!

E enquanto danças dormirei tranquilo
Protegido pelo amor que me dás
Nas palavras que descrevem onde estás.

terça-feira, dezembro 26, 2006

À espera

Faltam uns minutos; ele vem aí
O desejado
Estar para ele inteiramente é ansiedade
Devo olhar para o lado
Fazer-me de propósito distraído
Para lhe pertencer doce e à vontade
Irmãos amantes no lugar especial
Que nos foi dado.

domingo, dezembro 17, 2006

Doze vezes dezassete palavras

1
Ácido é o fruto da laranjeira verde
No Outono quis colhê-lo
Tarde contudo demais para lhe chegar

2
Caiu inocente a folha da inexistente faia
No meu chão de pedra adormecida
Ao acordar insomne esmaguei-a

3
Não sentem as sementes o medo
Da vida com que serão castigadas
É tão claro o deserto!

4
Murmurou-me um, calmo, “o som
Agitado que te trago é o verdadeiro”
No meu grito nem ouvi.

5
A lua surge quando os que sabem
A escutam. Eu
Só a sei ver ao ficar cheia.

6
O monge soprou uma nota só
E afastou-se. O imperador que o chamou
Ficou preso ao trono.

7
A noite é uma mortalha aberta
Mas eu não tenho sono
Que estranha música estou a ouvir!

8
As cegonhas voam para um destino
Que desconheço ignorando
Que a sua sombra me ensombrou os sonhos.

9
Há gente lá fora! Corre! O Fogo é dono seu!
Água é o que queria beber
Agora.

10
Os meus ossos e o meu sangue
Ficarão matéria escura ou cinza
Está um dia tão bonito!

11
Era verdade o que diziam. E eu era
Tão surdo então como sou ainda
Mas dormia melhor.

12
Se tivesse havido uma longilínea flor
Num delicado vaso, vivamente oferecida
Não deixaria de ser coisa morta.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

tusso

escavo no carvão que me cobre as pernas
podem as penas ter sobrevivido ao incêndio?
encosto-me ao tecto onde as ervas nascem
mas o sentimento escravo que me ofende
é mais forte... vem fora mas dói dentro

tusso os males que respiro com prazer
que tipo de combustão me falta provar?
estou farto da sede e do sangue a ferver.
aninho seres inertes no canto do quarto
são poucos, grandes... não podem durar!

insisto no mar que me passa as entranhas
será por isto que as luzes se acanham?
quero penas polidas mas crias sem brio
montanhas vestidas que vibrem de frio
mas ao acordar que os meus olhos cintilem.

Carta de Dezembro

Está tudo calmo. Os meus
Foram-se deitar há que tempos
Que são gente de bons costumes e cedo erguem.
Na lareira o lume também se extingue
Deitei-lhe dois tronquitos mas não aviva.
Pus música ao calhas: Não a tua
Que trouxe para ouvir continuamente
Mas uma que me tocou quando tinha
A tua idade. O trompete geme
As penas de um amor bruxo e louco
Depois de ter feito o melancólico louvor
Dos jardins de Aranjuez.

Lá fora, imagina!, há
Mesmo assim luar - uma lua indecisa
Mas que abriu o meu jardim de noite.

Ai esta minha casa! Tem tanta paz!
E tem-te tanto! Hoje, que incrível,
Só me lembro da primeira vez que vieste
E do cobertor que nos cobria
Nesse nascer do sol coberto! A revelação!
E eu com tanto medo... podia lá ser!

Escrever isto é choro? Mas não tem nada
A ver com tristeza... Uma nostalgia doce, talvez
Que eu sei que um homem não chora. E tanto
Tenho posto à prova o homem que sou... ou
O que queria ser...

O tempo é ácido e dissolve e eu temo.
A vida que tenho vivido! Tanto provoco
A Senhora Morte e há tanto tempo! Pensei
Um dia quando sabia menos (ou mais, ah!
Essa questão!) que só assim a minha condição
De homem se afirmava... Ser guerreiro sempre,
E até brigão, para vencer o medo
Que estava impresso nos meus genes...

Embrulhados na manta que nos levou, friorentos,
À procura do sol nascente, tudo o que eu era
Deixou de ser. De repente eras tu
Quem me fazia viver. Nascesse o sol ou não
Estavas ali, trémulo de frio, enroscado em mim
Que estava trémulo de amor.

Choro? Pois choro. Não é porque esse momento
Tenha deixado de existir. Nem sei porque é.
É porque não estás aqui. É porque sem ti
Tudo o que tinha sido meu e tão sólido
É só espera, aquela ansiedade que faz
Olhar o relógio mil vezes, talvez não venha...

Onde estás agora? Aí, onde o mundo é teu...
E estar feliz por estares feliz nesse lugar
É o lado certo da distância.
Que egoísta sou por não ter sempre por companhia
O riso que me habita quando te tenho ao pé!

Mas já me tinham dito... mesmo que corra bem
O amor faz sempre lágrimas... eu que não acreditei
Agora, envergonhado, tenho que me render...
Dói, dói, mas dói o quê? Que dor é esta quando sei
Por tudo o que não dizes que também eu
Estou em ti?
E que devia estar tão tranquilo na ausência
Como quando ao meu lado me fizeste cúmplice
Da beleza?
Mas é assim que sou... Tão dramático! E tu
Que falas de drama
Como uma interjeição, tanta serenidade
Me dás!

Onde vou eu já! Que longa é
Esta carta de Dezembro, de madrugada
A ouvir o trompete dolente de uma saeta
Com o lume da lareira tão adormecido
Como deves estar agora, aí onde estás...

E eu que tanto queria mandar-ta!
Mas como posso, isto é indecoroso!

Não é o amar-te, não, que isso é alegria
A maior de todas, a sem par, mas ser
Em vez de um guerreiro um pedinte
Um timoneiro perdido que sente perdido o rumo
Quando não és tu que o norteias...

Que encargo pode ser a suspeita de um lamento!
Tanto queria que de mim só recebesses
Prendas, leveza, e que o meu amor não
Te assustasse! Devia calar-me! E quanto
Mo recomendaram... Olha que o afastarás
Com o teu exagero! Olha que
O amor se quer discreto e calmo, falar
De amor é matá-lo!
Que sei eu disso...
Mas sei que é melhor calar quando falo
Contigo directamente, mesmo quando digo
Que te amo... Pareço-me tão ligeiro
Como se quisesse que não lhe desses
Importância...
Mas é tal a euforia
Quando de ti vem, simples, quase murmurada
Uma expressão de correspondência...

.......................

Tudo isto é o que me vem à cabeça agora
Nesta madrugada suave e só com a lua a pôr-se
O lume a apagar-se e a música a chegar
Ao fim.
Vou-me deitar porque acordarei contigo
A falar-me de uma coisa bela que viste
E a dizer que pensaste em mim..

segunda-feira, dezembro 11, 2006

]...[

já as montanhas noivaram do frio
e pequenos cristais navegam no rio
icebergues cientes da minha diversidade
impulsos pacientes que cumpro e sorrio
vãos bruscos, correntes de nula vaidade

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Não sei, não

Não sei, não. Não sei o que sabes
Do que tento revelar, tão óbvio,
Não sei o que não sabes quando talvez saibas
Que o que fazes e eu temo me faz não saber
Quem és, nem o que queres, nem se sabes
Que algures aí um espinho me fere.

Não sei do que aprendi, nem do que tento
Saber, pela razão calma e ponderada,
Por saber que é assim que virás a saber
Como um percurso se constrói. É a tua vida,
És tu que sabes dela e não eu. Que nada sei
Nem do que sentes e não dizes, nem do que sinto
Quando digo. Não sei nada, mesmo nada,
Uma vida inteira a aprender, a querer
Saber, e agora do que sei prefiro não saber
E nem sei se não sei nada, porque sei
Que em mim se revolta um ser que não conheço
Que não domino, de que não quero saber.

E aí mesmo o acalmo. Ao ignorá-lo ele volta
Para os infernos onde se esconde atento. E isso
Eu também sei: é só um demónio mesquinho
Que travesso insiste em turvar a limpidez do que
Quando sereno, reflete a cada momento
O que ambos sabemos que afinal somos.

domingo, dezembro 03, 2006

sabes... nao sabes?

sabes? não sei!
mas sei que quando não sei
as coisas ficam assim, sabes?

ficamos, não sei! sabes?
mas sei, que se fico
sabes?, assim sem saber
ou a saber o que sei
sabes?, não sei o que sabes,
sei! que pelo menos não sabes
que sei, não sabes?
e se sei o que sabes
sabes?, não sei o que não
sabendo sabes...

sabes?

sábado, dezembro 02, 2006

Visita

"Gostei muito", disseste, ou "adorei"
Não me lembro bem do termo que empregaste
Mas sei que eu disse "também gostei"...

E que mais poderia dizer naquele lugar e
Naquela hora: as multidões da manhã a correr
Para o comboio – e pelo comboio seria
A nossa separação...

Cais 3 o teu, o meu cais 7 - ai essas estafadas
Analogias dos caminhos paralelos!
E ainda há pouco te acariciava docemente
Os cabelos, o corpo, ou dava a mão
Como se uma cama fosse um enorme campo
Onde tivéssemos medo de nos perder
Um do outro.

Que feliz fui... que feliz me fizeste...
Eu é que falo, eu sei, e falo demais
A percorrer veredas e a descansar em largos
Dessa cidade tão bonita que me fizeste descobrir
Horizontes inesperados no alto de escadarias
Ou mistérios desvendados ao virar de uma esquina
Coisas que toda a gente sabe e vêm nos guias turísticos
Que não nos demos ao trabalho de ler
Tudo era revelação.

E as pessoas apressadas sob a chuva miúda
Com coloridas sombrinhas
Enquanto as víamos abrigados pelo toldo
Que as enquadrava como num filme
Ou os amantes que se beijavam, que inveja!,
Como nós desejaríamos fazer, não fosse
Aquele carro estacionado ali mesmo
Com o condutor lá dentro...

O rio por todo o lado insistia
Em dar cenário ao que sentia
Reflexos de verdades ocultas
Monumentos que sem ele seriam frios.
E o teu sorriso o teu amor a ser o sol
Destes dias enevoados
Mas não fez mal que fossem assim, até foi romântico!

E ver-te jorrar
Com o rosto a traduzir o que palavras não dizem
Místicos êxtases e o conhecer verdadeiro
De uma entrega total.

...

São estas as coisas que se guardam
Nos secretos escaninhos da memória
Como as fotos que fiz de ti e que agora
Não quero ver porque ao vê-las só acontece
Lembrar - e quem és fica escondido
Fixado e rígido numa imagem
Não é o corpo, a voz, o sorriso
E a cadência dos passos que me acompanharam
Nas ruas dessa cidade
Que continuará a viver sem mim.

segunda-feira, novembro 27, 2006

sem asa

assim... sem nada vestido nesta mão
que ofende a cara com uma pedrada
direito ao chão de um dedo doído
que aponta cego e sem direcção
a linha trémula de ponta parada
sobre a brasa inchada, a vela
apagada que vibra suada uma canção
de embalar o cisne que em casa
e sem asa cantou sem efeito
o destino desfeito, certeiro
e escorreito apontou o defeito
que a vida fracassa mas passa
sem mossa, como a traça queimada
e sem asa cai morta no chão

terça-feira, novembro 14, 2006

Sinal

Escarpo as arrogâncias da paisagem
camada por camada
quanto desembaraço o da vertigem parada
e este pássaro da distância
que me bate em tempestade

tarde, recolho o sargaço da praia
o que fica recorda a borrasca
e a poeira em circulos no jade do beiral da memória
só uma corda que por uma lasca pende e balança
é extremo sinal de glória, arritmica dança.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Proposito

Eu sei, meu amor, quase tudo o que foi
Escrito sobre os que como eu são e se portam. Eu sei
Mesmo, por tudo o que me tem sido mostrado,
Que sobram razões para estar tranquilo, acalmado
Pelo amor, amizade, o que lhe quiseres chamar,
Que tenho recebido, mesmo sem corresponder,
Porque pouco tenho dado.

Eu sei, meu amor, que quando te encontrei
Nas travessas escusas em que o destino se acoita
Nem percebi que, mais que trocista, desta vez,
Ele estava a pôr-me à prova; cruel talvez,
Talvez animado por justiça elementar.

Mas tantas metáforas! Tudo isto p’ra dizer
Que o meu coração se apertou e ferveu o sangue
Quando a altura da prova chegou; e de prova a provação -
Subtil diferença! – foi um passo e o que outrora
Dizia, cheio de amorosa convicção,
Foi corroído pela injusta dúvida que, sem razão,
Te fazia, do que então eras, seres diferente agora.

Eu sei o que sou, ou o que fui, e de que forma
Transformei em veneno os vinhos inebriantes
Que acompanharam os banquetes em que fui convidado
Do amor; e como, zangado, os abandonei
E reduzi a escombros os sólidos edifícios de antes.

Agora, meu amor, contudo, é forte o propósito
De não esquecer o que ficou registado
No poemário que escrevi e releio, a ti dedicado.
É nele que deves crer, que é nele que creio.
Poemas de amor dão mentiras enroupadas
De sentimento febril. Mas não desta vez:
É verdade o que lá está e não quero que mude.

Por isso lutarei, mesmo traído pela emoção, contra
O monstro que me estoura as costelas e tudo ilude,
A falsa dor de um espírito atormentado
Pelo mal que a si próprio quer: e pela razão
Nunca esquecer o bem que me foi dado.

Quero que me ames, claro! Que o teu amor
É alimento diário, causa de alegria, inspiração.
Mas sei também que o amor, mais que merecido
É ofertado. E vindo um dia a dor de o ter perdido
Que ela não seja ignóbil, mas se enobreça por saber
Que é belo o teu caminho e me coube a graça
De ter sido também o meu, por ti iluminado.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Tenho de dizer

Hoje quando me mostraste que já te fazia falta
Ver o que eu escrevia para ti sobre ti
Ri de pura alegria. É um alivio sentir
Que posso continuar a falar-te
Deste meu amor. É que tenho de dizer
O que tenho em mim noite e dia
Porque ficam dormentes
As pontas dos dedos quando se refreiam de tocar
O corpo que a mente continuamente
Acaricia.

Estes dias

Estes dias de que não tenho contado nada
Desarmado pelo sorriso que a internet me traz
Que bom ser de agora

Estes dias em que te vejo quando calha
E deixo de ter o juízo natural
De ver nuvens no céu rios a correr
De saber que se não fosse o teu rosto virtual
Não aparecer
Eu nem me importava nada, pelo contrário...

Estes dias em que as noites são masmorras
Com ouvidos de pedra e sangue de musgo
Em que todos e são tantos não quero à minha volta

Estes dias em que algures cresce um planta
Regada pelas experiências do tempo e se torna
Saudável e escorreita

Estes dias
Estes dias
Estes dias
Neles me perco se não te encontro

Silabario

Quereria ser capaz de construir
Um poema só com três sílabas
Eu-tu-nós

Noite de Todos os Santos

Em máscaras se esconde esta noite que tem santos no ar
Ligados entre si por nada do que tiveram vivos.
Brinquem as crianças como bruxas que poderão ser
Quando a máscara for parte da pele do rosto:
Os santos não se vêem por elas, inocentes que sejam
As caras por trás das pinturas, dos palhacinhos medonhos
Que parecem ser. De máscaras não conhecem senão
O lado descartável. Os santos, entretanto nem devem dar por ela
Entretidos em comungar sem máscaras como santos devem ser.

De máscaras falo porque a elas recorro. Já não criança a pedir um doce
Mas homem feito temendo o que é e com medo igual
De pedir a doçura de um amor que não quer perder
A comunhão de santos que um dia provou.

terça-feira, outubro 31, 2006

Fim da noite

Meu muito querido,
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Um beijo

sexta-feira, outubro 13, 2006

Felizardo

És um felizardo, disse-me uma amiga
Depois de ver o livro bonito que fizeste
A partir dos meus pobres relatos.

E eu sei que sou. Injusto, não percebo a redenção,
E deixo que de mim saiam, incessantes e fúteis,
As lágrimas do medo e dos erros
Que, sem saber como, fiz no meu passado,
Nuvens plúmbeas sobre um sol de cobre
Que é, contudo, luz total, mesmo contida.

Distancia

Um navio cego afoga-se lentamente
Num copo cheio de verde e transparente
Que seria mar se não fosse veneno.

Em torno olhos divertem-se distraídos
A morte dos navios deixa-os comovidos
E são suas as lágrimas em que eles se afogam.

É tudo tão pequeno e enorme, e contudo
Há homens que gemem no navio mudo
E os que fazem do silêncio o último grito.

O copo é do tamanho do mundo que me bebe
Esvaziado para o ventre ígneo que recebe
Astros, cósmicas malevolências e dores inúteis.

Cego partiu o navio à procura de porto
Cego ficou na mesquinha rota, morto,
Afogado na cor dos olhos que te viram.

Iludiu-se o timoneiro que queria encontrar
A rota que o levaria ao lado oposto do mar
Que mais não é que copo ou proveta.

Que nos bebam os deuses ou nos rejeitem
Ou criem ásperas marés com as lágrimas que deitem
Por olhos cruéis e curiosos que se divertem,

A rota tem que ser cumprida. O destino, feliz ou infeliz, final,
Nem conta. Mas sim, pelo caminho, a força do timoneiro
Que ignora o jogo dos deuses, soberano e inteiro.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Doppia valle dovi sono

duplo vale onde estou
consciência desperta de ser-se si
sou. impotente na mudança
porta aberta à inconstância das águas
rios sem pontes, pegos e montes
neste duplo vale onde estou
espírito íngreme encosta escarpado
vale duplo onde duplo estou
duplo vale eu duplo onde estou
porta vale
sou

sexta-feira, setembro 15, 2006

Simetria

Ao teu lado, fumando os dois o cigarro do depois
Noto a perfeita simetria dos corpos semideitados
O ângulo que faz a minha perna esquerda e a tua direita
E no meio encostadas, a minha direita à tua esquerda,
E o pénis de cada um virado para o outro.
Seguro o cigarro com a mão esquerda mas o braço direito está
À volta do teu ombro e no meu ombro se pousa o teu braço esquerdo
O da mão que não segura o cigarro.

Tão diferentes são os nossos corpos e contudo
A simetria é perfeita. Tal como na entrega
Que inteira fazemos de um ao outro. E no não sermos espelhos
É que ela se completa.

Cartas de Agosto

2 de Setembro
Dia percorrido


O dia está percorrido. É a hora
Em que se deita quase toda a gente
Que faz rodar as engrenagens miúdas
De um pais.
Claro que há os bares e as discotecas
Logo hoje que é Sábado!
Mas eu não percorro já essas noites
Em que o que conta nem é ter o dia percorrido
Mas começá-lo.
Enfim, nesta data e neste lugar
Aqui na minha tranquila casa velha
Num sítio ainda mais velho
O dia fica quase percorrido por se ver
A que altura está a lua.
Agora que se fez o jantar e se lavou a louça
Toca uma música singela no gravador
Que é de cassetes e pequenino
Daqueles que se podem levar para
Todo o lado.
Durante este dia calmo fiz
As minhas rotinas
Conversei sobre assuntos momentosos
Como a situação politica em Cuba
Telefonou-me um amigo
Vi o Rio ao fim da tarde numa esplanada
Comprei seis litros de água num café
Porque aqui não há supermercados
E a mercearia fechou à uma.
Contratei um homem para caiar
A minha casa toda
Dei-lhe cem Euros e a chave
Pode lá haver mais confiança
E no meio disto tudo
Nunca por um momento que fosse
Deixei de pensar em ti.

***
31 de Agosto
Doente


Eu fico doente só de pensar
Em como será a última vez
Que te terei nos braços antes de partires

Eu não vou querer chorar
Mas se chorar lembra-te que sou
Tonto
E que isto não quer dizer nada.

(Embora tenha vontade de dizer
No momento sem volta da partida
“Por ti
Daria a minha vida”).

***

30 de Agosto
A última noite de Agosto

Hoje não é a última noite de Agosto
Isso será na noite do dia de que esta
É a madrugada. São duas da manhã.
A lua há pouco não sabia nada
Disso: dizia-me que para a semana
Que vem, será lua cheia
Mais ou menos por esta altura
E eu sei que a passarei contigo.
Isso sei.
Mas hoje poderia ser a última noite
De Agosto
O tal mês que nem sei porquê
Tem magia em todos os minutos. Sei
Dizer porque há magia em
Pensar na última noite de um mês
Como se ele fosse teu. A música que toca
Talvez até gostasses dela apesar de ser pouco
Convincente. É um árabe
A cantar versículos do Corão em versão
Acessível. Mas isto é outra conversa
Uma que me levaria inevitavelmente a falar
Do gosto que teria em estar contigo sob esses céus. É
Outra conversa. Por muito que queira
Torná-la verdadeira sei que
Aquela pergunta – quando será – tem
Resposta difícil e contingente.

Ai, perco-me nas palavras, sei lá
O que dizer agora, ya mustafa, ya
Mustafa, canta ele, ya habibi,
Ya ‘azizi, ya sadiqi, ya hayati, ya
Nur qalbi,
Isso deveria cantar eu, se cantasse,
Se soubesse.

Ora, dizia eu, como se doutorasse
Hoje é de Agosto a última noite
A lua ficou em quarto crescente
Estou longe de ti
E o sumo desta conversa ligeira e tonta
(que eu sou tagarela, bem o disseste)
É que não consigo fugir à difusa tristeza, talvez melancolia
De não ser contigo que a passo
Mesmo que, mesmo que
Isso não tenha importância nenhuma
Que não cai o mundo por isso
Nem o gato vai às filhozes
Nem este meu amor por ti que não é
Nada do que me tem aparecido
Nas canções de hoje, nem este meu amor
Vacila ou se esbate.
Hoje poderia ser a última noite
De Agosto mas nem é. Será
Amanhã. Mesmo assim nem amanhã
Poderia ser tua e minha aqui. Mas
Se fosse... Seria ela mais bela
Que a noite que sinto por te ter
Ao escrever estas toscas linhas?
Meu amor, meu amor, meu amor.

***

29 de Agosto
Amo-te e não sei

Eu amo-te e não sei
O que isso quer dizer. Nem tu.
Nem sei o que sabes por me ouvir.

Há coisas que sei. O sobressalto
Saboroso, nada assustador,
De te ver passar os meus umbrais...

Ou quando o impertinente toque
Do meu telefone é mais que benvindo
E é a tua voz suave que me acorda.

Não sei se me amas como te amo –
Pesemos lá essas coisas, meçamos
Até onde poderemos ir! – A sensatez

Do peso e da medida aqui são insânia.
Tudo o que conta é o sorriso calmo
Verdadeiramente calmo, o suspiro
Da simples entrega e o tactear nocturno
Do outro que tem que estar ali porque sem ele
Eu não sou, eu não quero, eu não durmo.

***

29 de Agosto
Carta simples

Ah, se eu fosse de épicos poemas que épico seria
O poema que está dormente em mim...
Aquelas coisas do dia a dia e de repente
Sentir uma inquietação um não sei quê que me faz
Chorar quando acordo ou então
Nem sequer conseguir dormir...

E nisto entras tu, pois como poderia ser de outra forma,
Não estou eu enamorado de ti? E depois – apesar
De tanto falarmos disso, do drama
Que somos capazes de pôr de lado
Como uma contribuição a pagar – sentir
Às vezes, como quando as costas doem, uma moinha
Indefinível, que sei lá...
(Mandei-te um recado que fiz por ser do mais bonito
E não respondeste... Pois, tens a tua vida
E eu a minha, ambas bem cheias, quando será
Que terei esta casa arrumada...Mas lá está
Olho para o telefone, ai os telefones que afinal
Ainda nos dão mais ansiedade! , e não há
Nem uma resposta nem uma tentativa de falar...)

Ah, mas isto não é razoável por saber
Que tu nem és assim! És atento e delicado
E há bem pouco me disseste, por outras desvios, eu sei,
Que até gostavas de mim...

E eu devo confiar... E aliás que importância tem
Que gostes ou não se sei que não tarda
A inevitável separação! Talvez até eu queira
Razões para pensar, ora, se alguém sofrer
Que seja eu, que estou habituado...E nem sequer
É essa uma má forma de viver, lá por isso...

Mas mesmo remando esforçadamente
Contra marés e rios que em vez de correr para o mar
Se deixam ir molemente no que o mar desvaira
Eu sei que a minha deriva vai parar em ti
Nessa difusa imagem de ti
E de tudo o que se disse quando devia haver
Uma madrugada
Porque a noite não é bastante.

E agora toca aquela canção que esperou
Quase quarenta anos para ser mesmo verdade...
E telefono-te... E em pouco tempo se vai
Constrangimento, receio... E dizes da tua maneira
Indirecta
Que dormes mal e eu forço-te a confessar que é
Porque não dormes comigo...

E tudo fica bem.

***


Cam

A cam, aqui na net tem servido
Para cenas com o seu quê de escabrosas
Imagens desfocadas de masturbadores
A pedirem que lhes digas
Aquilo que os levará a uma espécie de ilusão
(pois que nem ilusão pode ser)
Uma forma qualquer de adormecerem
O corpo por despertarem sentidos

Hoje contudo
Tem-me servido para ver o teu sorriso
Os teus olhos gaiatos
(Escreveres lol é redundante)
Como se estivesses ao pé de mim como dantes

sexta-feira, agosto 25, 2006

...

Aturde-me a imprevisibilidade do tempo
e a cor do céu que ilude o crescimento do rebento
terra estéril e dura do ardor que sobre ela se abate perpétua
e o vento que o cobre que é fraco é de uma fé tua... não minha
porque o arco que descrevo é tão lento
que quando acabar o que escrevo não lembro
intenções ou razões... para a surpresa do tempo

quinta-feira, agosto 24, 2006

O muro

Tu fazes mares nos rios
que nascem ao contrário
e são feios e fazem marés nos cabelos
que são frios, quando gelos
derretem nas estantes e no tratamento vário que recebes
quando as lentes te queimam porque o sol é brando
mas os raios despertam e fazem sentir
e as vagens quentes nas noites que apertam a vontade que é grave
de ser-se arquitrave e não segurar ninguém... nem aqui!
nem além... há alguém que sustém a vontade!
e a idade é o muro que assim nos detém...

domingo, agosto 13, 2006

Real e Verdadeiro

O medo que sentes fez-me acordar
Para o que sou e para a grandeza de um amor
Com que nem me atrevia a sonhar.
Salvo estou já pelo que disseste
Quem pode querer força maior que a que
Ao vencer o teu medo, todo este tempo,
Singelamente me deste?

sábado, agosto 12, 2006

Não te minto

Cheguei perto o suficiente para saber
que o que sinto é puro e limpo e contudo
estou ciente que o caminho seguro se desviou
ficando aquém de qualquer escolha consciente.

Sei também que não há rolha forte o suficiente
para parar a corrente que me afoga no escuro
e quando o corpo se inquieta! já não sei
se o que sinto é descoberta ou alerta.

O que representas para mim está longe
da minha inútil compreensão, essa que se aperta
sem noção!... O que fica sempre e não foge
é o receio que se adensa em descontrole e sem freio

Sem rumo certo, não sei se te salvo ou me salve
ou nos salve!? porque o meu silêncio contém medo...
e quando o meu olhar se perde sobre o teu ombro
já sabes que é breve, mas tenso! repito, é Medo!

A incerteza que me prende tem data em Setembro
eu sei disso, tu sabes! e se este amor ou paixão
são bruxedo, certamente partirão com as aves
num regresso calmo até casa... sem dor!

Mas se isto que nos une for real e verdadeiro
quero que saibas! que mesmo na sombra do medo
estarei de volta em Fevereiro, p'ra sem as aves enfrentar
o que sinto! para te salvar?... não sei! não te minto...

sexta-feira, agosto 11, 2006

Salva-me

O telefone está ali – é só ligar, e contudo
É tão difícil... Não mo proibiste, eu sei mas também sei
Que isto, como tudo
Requer moderação....

Mas moderação, eu? Pois se o mundo me esmaga e empurra e
Me obriga... não sou eu não...
Sou quem, então?

Salva-me, tu que foste uma espécie de luz
No embrulhado nevoeiro em que me perdia
Sem mesmo perceber que perdido
É que seguia sei lá para onde...

Salva-me por favor, não quero pedir muito
Não quero fazer as tristes figuras de chorosas imagens
Suplicantes e agarrando-se aos joelhos de quem pode
Quais esculturas
(daquelas, um pouco feias, românticas, que adornam
cemitérios e praças de aldeias...)

Mas eu sei que só tu me podes salvar
Do que sou sem ti. Eu dizia, ah a minha liberdade...
Mas que é isso... liberdade de quê? De andar
Como um tonto de esquina em esquina
À procura do que já tenho... mesmo que saiba
Que se vai... Eu queria ao menos a dignidade
De sentir que não me perco... mas nem sei o que sinto
E por não saber sei que minto...

Mas sei que preciso, como um cego, que me dês
A segura mão. Que a tua voz acalme o rugido
Das tempestades no meu ouvido; que sejas,
Criança, garantia do porto seguro que demando
Eu que, velho, morrerei quando ainda fores flor
A desabrochar... Mas nem é nisso que estou a pensar
Nem na minha morte nem na tua vida
Mas sim em coisas tão simples como o teu sorriso
O tom da tua voz
A calma da tua pele
A ligeira ironia com que fazes esfumar
O denso drama em que insisto
Em me afogar.

domingo, julho 30, 2006

Deserto

Sonhei com o deserto. O deserto,
Sabes, esteve perto do que caminhei
Mas nunca o suficiente. Sonhei
E na areia não ficavam rastos. Nem sequer
Os teus.

E contudo, acordado, é a ti que vejo
Nas janelas iluminadas do meu pátio
Onde um dia por provocação
Demos um beijo.

Foi há muito? Foi ainda
Anteontem? Não estás aqui mas estás
Sei lá por quanto tempo em mim. Para sempre,
Talvez? Sim: por certo. Mas o que sei não chega
Para acalmar o pavor que senti
Ao sonhar-me no deserto.

Lagrima

Desliza uma lágrima pelo sulco
De uma das minhas simétricas rugas
É porque falo de ti.

Doi

Dói. E nem sequer
Estás muito longe. Doerá mais
Quando estiveres mais longe
Ainda?

Musica nova

Está aí música nova. Outros,
Amigos e amigas, a trouxeram. Ouvi.
Mas agora
Vou ouvir a que me deste na aurora
Do nosso encontro.

Heroi

Se eu não aguentar, não me julgues.
Não me desprezes. Não sintas que sou
Um pobre e fraco pateta. Olha que eu
Já troquei olhares com a morte
Já quis fazer do perigo o meu companheiro
Permanente de viagem. Olha que eu
Experimentei a minha força e a minha
Cobardia. E venci. Mas não sabia
Que podia haver alguém como tu. E por ti
Luz e abandono, desejo renovado de viver
Temor desconsolado de morrer.

Telemovel

O meu telemóvel jaz amortalhado
Pelos papéis de uma secretária em caos.
Ele é quase perfeito em forma
Rectângulos dentro de rectângulos
Um volume esbelto, acetinado, mate
E mudo.

sábado, julho 29, 2006

Horas

Já os passos estão gastos
como as palavras... cito o poeta
já os pássaros não trespassam
o ar que nos separa
preenchendo os espaços
da respiração que cessa
já a água espirra na tarde
quando as cigarras soam raras
entre os arbustos torrados do sol

Só a tua imagem persiste
quando tudo parece abrandar
e sei ao ler isto sorriste
porque existe! é verdade!
há mesmo duas pessoas separadas
que por muito que os ciclos acabem
não se esquecem das Horas passadas...

quinta-feira, julho 20, 2006

Musica

Lembro-me da história daquele homem que era surdo para a música e vivia a sua vida com a razoável satisfação de tudo o resto mas no arranhante desejo de experimentar ouvi-la. Um dia soube que poderia ser sujeito a uma operação que lhe daria audição completa por umas horas. Os médicos contudo desaconselharam-no, o embate psicológico era muito arriscado. Mas ele insistiu. Foi operado e levado a uma sala onde lhe aplicaram auscultadores. E ele ouviu música e extasiou-se. Sentiu que em breve se dissolveria num além-matéria em que se abriam horizontes nunca sonhados e contudo agora alcançáveis. Estava finalmente perto de perceber, perceber completamente. Bruscamente a música parou. O homem, irritado, tirou os auscultadores e exclamou: "porque interrompem a música mal começou?" E os médicos, olhando para ele com a piedade dos que diagnosticam, disseram "meu amigo, a música tocou por muitas horas... e não é possível operá-lo outra vez..." O homem chorou. "Antes julgava-me vivo. Agora sei que morri".
Eu não quero sentir isto. Eu quero manter viva em mim a música que és, quando, ao partires, não restar mais que a música que me deste.

terça-feira, julho 04, 2006

Quadro

No quarto onde nos amamos, por cima da cama
Está um quadro que fala de uma paixão de há muito tempo
Quando eu não sabia do amor mais que a ansiedade
E a recusa.

Tentei dizer nele coisas que só eu via
Outras surgiram que a pintura contou
Sem que eu soubesse como ou tivesse reparado sequer
Que se construíram por si.

Apareceste na minha vida tão mais tarde. E o quadro
Recomeçou a viver. Viste nele histórias que não sabia ter esboçado
Mas estão lá. Ou apareceram quando as apontaste
Talvez até se tenham entretanto desenhado.

E de repente olho para o quadro e nele estás tu
E aquela alegoria a um amor frustrado e triste
Desapareceu; em vez é quase um hino exaltado
Ao amor que me deste. E até humor se encontra nele.

Quero ter aquele quadro comigo enquanto viver
No sítio em que está, olhado da forma que os teus olhos
Me mostraram. E quando morrer,
Estejas onde estiveres, o quadro é teu. Farás dele
O que quiseres. Mas saberás que a magia que nele vejo
Só se criou pelo que foste.

domingo, julho 02, 2006

Se não fôssemos...

“Se não fôssemos dois homens”... o lamento da cantiga
Que um dia me mostraste e ainda ouvimos
É tornado vigoroso e afirmativo para nós
Que nisso encontrámos tudo o que nos faz
Homens que somos e nos amamos.

Houve noites em que pensei, no mar contínuo de murmúrios
Que é a minha voz perdida sem remédio no marulhar
De palavras de amor, que adormecias indiferente a esse som
Água inútil a embater no casco distraído de navio
A tua rota só tua e até, sargaços que eu fosse, vencer.

Mas não é por palavras que marcas o rumo certo
Que faz do meu caminho o teu. Mas antes pelos braços que me envolvem
Pelas pernas que se enlaçam nas minhas como mastros firmes
Das velas ao vento exacto que nos leva aos dois. E por me tocares
Sermos dois homens é bandeira desfraldada
Grito glorioso de batalha vencida,
Anúncio aliviado de terra à vista.

Ondulante

Os objectos pendem gritando sobre o vazio
na suspensão gratuita do espaço ocupado
neste ar baço que não cansa respirar
sempre fresco e renovado na intenção
pavio apagado, abraço e carência perdida

nada se sabe a bordo deste navio
que destino obscuro ou vontade escondida
se é acordado ou adormecido que perduro
ou se é na vaidade da brusca investida
que o sonho se torna intruso e cretino

mas que a impaciência voltou combalida
neste avanço inconstante, algo azedo
é uma certeza que confirma a eloquência
deste barco que zarpa relutante
na deriva aspirante do meu medo

domingo, junho 25, 2006

Não quero ver futebol!

Há uma vontade em mim
que se solta sem preconceito do mais fundo
subtil pérola de ar que emerge num lago escuro
hálito fresco desafogado
outrora suspiro em vão calado

sábado, junho 24, 2006

Embriagado de amor

Vieste quando eu pensava que não virias
Preparara-me para outros estares
Mas disseste que vinhas
E alterei os meus planos
Tão alegre e prontamente.

Entraste e o teu rosto alegrou o meu
Beijei-te muito
Beijos de boas vindas
Alegria pura e transbordante

És tão lindo
Tão lindo

Jantámos um bom jantar que ambos fizemos
Bebemos um bom vinho com uma cor antiga
Nem sei do que falámos
Quem sabe essas coisas...

Tinhas tido uma festa na véspera
“Estou tão ressacado!”
(Mais tarde contaste, pois tinhas que contar
Ainda estás naquela inocência em que tem que se contar tudo
À pessoa que se ama
Que foste para a cama nessa festa com a mulher com quem te partilho
E que não sabe que eu existo
E eu ri-me com gosto da aventura em torno disso)

Fomos ver filmes em DVD
Há tanto tempo que estávamos para os ver
O Sorrisos de uma Noite de Verão
Em celebração deste solstício que passamos juntos
E o Embriagado de Amor...

Os dois nus, lado a lado
Tocávamo-nos, beijávamo-nos
Quem está embriagado de amor
Ele e ela no filme
Ou eu, ou nós,
Tudo isto é tão perfeito

Dormiste tranquilo depois de nos termos
É tão intenso o que sinto contigo
Mas eu passei a noite como de costume
A murmurar, a chamar-te meu amor
E acordei-te com carícias
Tinhas que acordar, e não ligavas ao despertador
Que tocava o lago dos cisnes
Em versão electrónica...

E quando te foste embora
Tornei a cobrir de beijos a tua doce boca
E abracei-me a ti como num desespero
Não queria que fosses e tinha vontade de chorar
E dizia que isto é tão perfeito, tão perfeito
Nós nunca causaremos dor um ao outro
Juro que não
Juro que não.

terça-feira, junho 20, 2006

A lua cheia do fim da primavera

Deitados lado a lado, tu lês
Eu escrevo. Ontem, no terraço desta casa
Que demanda o rio como se fosse a ponte
De um navio, na lua cheia
Do fim da primavera falámos, bebemos
Fumámos... A lua girou de nascente para poente
E durante esse tempo fomos um.

Eu falo sempre de quando isto acabar
(E mostro o medo permanente de te perder)
Porque não quero esquecer nem um momento sequer
Nem um só beijo perdido ou a trémula
Passagem dos dedos pelo corpo extenso
Ou o deter dos lábios, os dedos curiosos
E ávidos como os lábios ou a língua
Ou o pénis dormente ainda
Ou impaciente por entrar pelo corpo.

Eu sou tu, tu és eu, digo comovido, já se sabe,
Não respondes nada, não são de ti protestos veementes de amor.
Mas os teus braços
Rodeiam-me e a tua boca devora a minha
E meigos os teus olhos sorriem com conhecimento.

Nestes dias conhecemos o paraíso, ou o que dizem
Que isso é: dias longos e lentos que correm
Como a água do rio e do ribeiro que nos banhou
Emoldurados como anjos por aloendros rosa, tantos
Tantos, meu deus, parecia intencional a festa
Nesse lado a lado à beira da água que espelhava o verde das árvores
Como se fosse seu.

Foi como se fôssemos imaginários
Como se fôssemos uma bucólica alegoria já fora de moda
Por não ter nada de escondido ou reservado
E a certeza de que o sol se iria pôr e ainda faríamos amor
Ao luar, no alto de um cerro ao lado de uma ermida
Fantasmagórica e isolada, como num casamento secreto.

Chove agora. É talvez o céu que chora. Mas não eu
E como me viste chorar várias vezes sabes que é sempre
Por ser quase insuportável na alegria o espartilho da certeza
De que tudo acaba. E no entanto sei agora que temerosa que ela seja
Nessa certeza há também o tempo que pára
E que ficará connosco para sempre: tu e eu
Mesmo que não mais deitados lado a lado.

sábado, junho 17, 2006

Cheia

Ardia a luz nas covas brancas
e tudo cá dentro palpitava
o fumo que me emudecera as cordas
tornara-me clarividente...
mas tu, bem diferente,
no embalar das tuas palavras
(cascatas explosivas de cartilha não lida)
puxaste a água há muito contida
que por um instante, de tão belo,
pensei não ser estanque o suficiente

a corrente abrandou, devagar
quando de novo a respirar
te senti quente no meu peito
Nessa noite empoleirados
nesse leito viscoso de lua
percorri-te lentamente
e soube de repente
que algo assim se consumou
e por fim se unificou
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