segunda-feira, novembro 27, 2006

sem asa

assim... sem nada vestido nesta mão
que ofende a cara com uma pedrada
direito ao chão de um dedo doído
que aponta cego e sem direcção
a linha trémula de ponta parada
sobre a brasa inchada, a vela
apagada que vibra suada uma canção
de embalar o cisne que em casa
e sem asa cantou sem efeito
o destino desfeito, certeiro
e escorreito apontou o defeito
que a vida fracassa mas passa
sem mossa, como a traça queimada
e sem asa cai morta no chão

terça-feira, novembro 14, 2006

Sinal

Escarpo as arrogâncias da paisagem
camada por camada
quanto desembaraço o da vertigem parada
e este pássaro da distância
que me bate em tempestade

tarde, recolho o sargaço da praia
o que fica recorda a borrasca
e a poeira em circulos no jade do beiral da memória
só uma corda que por uma lasca pende e balança
é extremo sinal de glória, arritmica dança.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Proposito

Eu sei, meu amor, quase tudo o que foi
Escrito sobre os que como eu são e se portam. Eu sei
Mesmo, por tudo o que me tem sido mostrado,
Que sobram razões para estar tranquilo, acalmado
Pelo amor, amizade, o que lhe quiseres chamar,
Que tenho recebido, mesmo sem corresponder,
Porque pouco tenho dado.

Eu sei, meu amor, que quando te encontrei
Nas travessas escusas em que o destino se acoita
Nem percebi que, mais que trocista, desta vez,
Ele estava a pôr-me à prova; cruel talvez,
Talvez animado por justiça elementar.

Mas tantas metáforas! Tudo isto p’ra dizer
Que o meu coração se apertou e ferveu o sangue
Quando a altura da prova chegou; e de prova a provação -
Subtil diferença! – foi um passo e o que outrora
Dizia, cheio de amorosa convicção,
Foi corroído pela injusta dúvida que, sem razão,
Te fazia, do que então eras, seres diferente agora.

Eu sei o que sou, ou o que fui, e de que forma
Transformei em veneno os vinhos inebriantes
Que acompanharam os banquetes em que fui convidado
Do amor; e como, zangado, os abandonei
E reduzi a escombros os sólidos edifícios de antes.

Agora, meu amor, contudo, é forte o propósito
De não esquecer o que ficou registado
No poemário que escrevi e releio, a ti dedicado.
É nele que deves crer, que é nele que creio.
Poemas de amor dão mentiras enroupadas
De sentimento febril. Mas não desta vez:
É verdade o que lá está e não quero que mude.

Por isso lutarei, mesmo traído pela emoção, contra
O monstro que me estoura as costelas e tudo ilude,
A falsa dor de um espírito atormentado
Pelo mal que a si próprio quer: e pela razão
Nunca esquecer o bem que me foi dado.

Quero que me ames, claro! Que o teu amor
É alimento diário, causa de alegria, inspiração.
Mas sei também que o amor, mais que merecido
É ofertado. E vindo um dia a dor de o ter perdido
Que ela não seja ignóbil, mas se enobreça por saber
Que é belo o teu caminho e me coube a graça
De ter sido também o meu, por ti iluminado.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Tenho de dizer

Hoje quando me mostraste que já te fazia falta
Ver o que eu escrevia para ti sobre ti
Ri de pura alegria. É um alivio sentir
Que posso continuar a falar-te
Deste meu amor. É que tenho de dizer
O que tenho em mim noite e dia
Porque ficam dormentes
As pontas dos dedos quando se refreiam de tocar
O corpo que a mente continuamente
Acaricia.

Estes dias

Estes dias de que não tenho contado nada
Desarmado pelo sorriso que a internet me traz
Que bom ser de agora

Estes dias em que te vejo quando calha
E deixo de ter o juízo natural
De ver nuvens no céu rios a correr
De saber que se não fosse o teu rosto virtual
Não aparecer
Eu nem me importava nada, pelo contrário...

Estes dias em que as noites são masmorras
Com ouvidos de pedra e sangue de musgo
Em que todos e são tantos não quero à minha volta

Estes dias em que algures cresce um planta
Regada pelas experiências do tempo e se torna
Saudável e escorreita

Estes dias
Estes dias
Estes dias
Neles me perco se não te encontro

Silabario

Quereria ser capaz de construir
Um poema só com três sílabas
Eu-tu-nós

Noite de Todos os Santos

Em máscaras se esconde esta noite que tem santos no ar
Ligados entre si por nada do que tiveram vivos.
Brinquem as crianças como bruxas que poderão ser
Quando a máscara for parte da pele do rosto:
Os santos não se vêem por elas, inocentes que sejam
As caras por trás das pinturas, dos palhacinhos medonhos
Que parecem ser. De máscaras não conhecem senão
O lado descartável. Os santos, entretanto nem devem dar por ela
Entretidos em comungar sem máscaras como santos devem ser.

De máscaras falo porque a elas recorro. Já não criança a pedir um doce
Mas homem feito temendo o que é e com medo igual
De pedir a doçura de um amor que não quer perder
A comunhão de santos que um dia provou.
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