domingo, maio 20, 2007

A festa

Vim agora da festa para que também foste convidado
Não sabia, mas eram os anos dele, vê lá tu, ele touro
E ela caranguejo... depois lembrei-me daquela noite
No restaurante em que se falou disso e eu senti
Que havia ali um segredo meu nessa cumplicidade oculta
De tu também seres touro e eu caranguejo...lembras-te?

Quando cheguei um grupo tocava animado
Um homem e uma mulher ao piano, um rapaz na guitarra
E outro numa caixa de percussão
daquelas coisas electrónicas
que se podem tocar com as mãos como se fossem bongos ou com baquetas

Depois a Di cantou blues,
Tem uma voz quente com o seu quê
A seguir veio outro para o piano, um branco que tinha um timbre especial
Um pouco rouco mas bem modulado
a cantar o Down and Out do Otis Redding
E que acompanhou uma mulher linda, no Summertime
e depois um negro que tocava muito bem composições suas,
jazz, um pouco como o Bill Evans,
e depois um angolano a cantar e tocar à guitarra, o Muxima
Não foi fantástico mas era sentido
A certa altura estava eu sentado bem lá atrás
A curtir mágoas indefiníveis e dores de barriga
Por causa da ressaca de ontem... e ouço uma vozinha
Cristalina, uma voz de criança? Mas a música era tão elaborada!
Aproximei-me e era mesmo uma menina
Uma negrinha com totós e não mais que sete ou oito anos de idade...

Dançou-se muito, e bem, as mulheres então! Umas artistas! E não apenas
As negras! Que essas já se sabe...

Chegou a vez de mais alguém mostrar os seus talentos
Veio um irlandês cantar uma balada daquelas

E um saxofonista

E uma rapariga que começou a tocar o Sodade e logo
Um outro africano veio cantar com ela
E cantou-se em coro o refrão...Saudade senti eu, que ao coro me juntei...

E uma ruiva que recitou expressiva um poema sobre não ter medo

Foi uma bela festa, pois foi, sempre alguém a tocar ou a cantar ou a tocar e cantar
E fazia-se o caminho para a comida e para o vinho a dançar

Eu estive sempre um bocadinho aparte
A amiga com quem fui veio ter comigo e disse sentes a falta dele, não é?
Eu disse que não era isso, era apenas dores de barriga
Mas é verdade que não estavas lá tu, e era uma festa à tua medida
Havia lá um rapaz que se parecia contigo
Eu olhava para ele e pensava quem me dera que ele cá estivesse
Desta vez havia tanta gente da tua idade...

Eu sei que aquela onde foste pelo teu lado não terá sido pior
Que te terás divertido imensamente nela
Ouvido a música de que gostas num ambiente que deve ter sido especial
Certamente dançaste até ficares exausto
Estou a ver-te no pavilhão do silêncio... entregue...
E nisso estou feliz. Mas não me queiras mal
Por não conseguir que sem ti haja festa a valer para mim.
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