terça-feira, junho 20, 2006

A lua cheia do fim da primavera

Deitados lado a lado, tu lês
Eu escrevo. Ontem, no terraço desta casa
Que demanda o rio como se fosse a ponte
De um navio, na lua cheia
Do fim da primavera falámos, bebemos
Fumámos... A lua girou de nascente para poente
E durante esse tempo fomos um.

Eu falo sempre de quando isto acabar
(E mostro o medo permanente de te perder)
Porque não quero esquecer nem um momento sequer
Nem um só beijo perdido ou a trémula
Passagem dos dedos pelo corpo extenso
Ou o deter dos lábios, os dedos curiosos
E ávidos como os lábios ou a língua
Ou o pénis dormente ainda
Ou impaciente por entrar pelo corpo.

Eu sou tu, tu és eu, digo comovido, já se sabe,
Não respondes nada, não são de ti protestos veementes de amor.
Mas os teus braços
Rodeiam-me e a tua boca devora a minha
E meigos os teus olhos sorriem com conhecimento.

Nestes dias conhecemos o paraíso, ou o que dizem
Que isso é: dias longos e lentos que correm
Como a água do rio e do ribeiro que nos banhou
Emoldurados como anjos por aloendros rosa, tantos
Tantos, meu deus, parecia intencional a festa
Nesse lado a lado à beira da água que espelhava o verde das árvores
Como se fosse seu.

Foi como se fôssemos imaginários
Como se fôssemos uma bucólica alegoria já fora de moda
Por não ter nada de escondido ou reservado
E a certeza de que o sol se iria pôr e ainda faríamos amor
Ao luar, no alto de um cerro ao lado de uma ermida
Fantasmagórica e isolada, como num casamento secreto.

Chove agora. É talvez o céu que chora. Mas não eu
E como me viste chorar várias vezes sabes que é sempre
Por ser quase insuportável na alegria o espartilho da certeza
De que tudo acaba. E no entanto sei agora que temerosa que ela seja
Nessa certeza há também o tempo que pára
E que ficará connosco para sempre: tu e eu
Mesmo que não mais deitados lado a lado.

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