quinta-feira, julho 20, 2006

Musica

Lembro-me da história daquele homem que era surdo para a música e vivia a sua vida com a razoável satisfação de tudo o resto mas no arranhante desejo de experimentar ouvi-la. Um dia soube que poderia ser sujeito a uma operação que lhe daria audição completa por umas horas. Os médicos contudo desaconselharam-no, o embate psicológico era muito arriscado. Mas ele insistiu. Foi operado e levado a uma sala onde lhe aplicaram auscultadores. E ele ouviu música e extasiou-se. Sentiu que em breve se dissolveria num além-matéria em que se abriam horizontes nunca sonhados e contudo agora alcançáveis. Estava finalmente perto de perceber, perceber completamente. Bruscamente a música parou. O homem, irritado, tirou os auscultadores e exclamou: "porque interrompem a música mal começou?" E os médicos, olhando para ele com a piedade dos que diagnosticam, disseram "meu amigo, a música tocou por muitas horas... e não é possível operá-lo outra vez..." O homem chorou. "Antes julgava-me vivo. Agora sei que morri".
Eu não quero sentir isto. Eu quero manter viva em mim a música que és, quando, ao partires, não restar mais que a música que me deste.

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