sexta-feira, setembro 15, 2006

Cartas de Agosto

2 de Setembro
Dia percorrido


O dia está percorrido. É a hora
Em que se deita quase toda a gente
Que faz rodar as engrenagens miúdas
De um pais.
Claro que há os bares e as discotecas
Logo hoje que é Sábado!
Mas eu não percorro já essas noites
Em que o que conta nem é ter o dia percorrido
Mas começá-lo.
Enfim, nesta data e neste lugar
Aqui na minha tranquila casa velha
Num sítio ainda mais velho
O dia fica quase percorrido por se ver
A que altura está a lua.
Agora que se fez o jantar e se lavou a louça
Toca uma música singela no gravador
Que é de cassetes e pequenino
Daqueles que se podem levar para
Todo o lado.
Durante este dia calmo fiz
As minhas rotinas
Conversei sobre assuntos momentosos
Como a situação politica em Cuba
Telefonou-me um amigo
Vi o Rio ao fim da tarde numa esplanada
Comprei seis litros de água num café
Porque aqui não há supermercados
E a mercearia fechou à uma.
Contratei um homem para caiar
A minha casa toda
Dei-lhe cem Euros e a chave
Pode lá haver mais confiança
E no meio disto tudo
Nunca por um momento que fosse
Deixei de pensar em ti.

***
31 de Agosto
Doente


Eu fico doente só de pensar
Em como será a última vez
Que te terei nos braços antes de partires

Eu não vou querer chorar
Mas se chorar lembra-te que sou
Tonto
E que isto não quer dizer nada.

(Embora tenha vontade de dizer
No momento sem volta da partida
“Por ti
Daria a minha vida”).

***

30 de Agosto
A última noite de Agosto

Hoje não é a última noite de Agosto
Isso será na noite do dia de que esta
É a madrugada. São duas da manhã.
A lua há pouco não sabia nada
Disso: dizia-me que para a semana
Que vem, será lua cheia
Mais ou menos por esta altura
E eu sei que a passarei contigo.
Isso sei.
Mas hoje poderia ser a última noite
De Agosto
O tal mês que nem sei porquê
Tem magia em todos os minutos. Sei
Dizer porque há magia em
Pensar na última noite de um mês
Como se ele fosse teu. A música que toca
Talvez até gostasses dela apesar de ser pouco
Convincente. É um árabe
A cantar versículos do Corão em versão
Acessível. Mas isto é outra conversa
Uma que me levaria inevitavelmente a falar
Do gosto que teria em estar contigo sob esses céus. É
Outra conversa. Por muito que queira
Torná-la verdadeira sei que
Aquela pergunta – quando será – tem
Resposta difícil e contingente.

Ai, perco-me nas palavras, sei lá
O que dizer agora, ya mustafa, ya
Mustafa, canta ele, ya habibi,
Ya ‘azizi, ya sadiqi, ya hayati, ya
Nur qalbi,
Isso deveria cantar eu, se cantasse,
Se soubesse.

Ora, dizia eu, como se doutorasse
Hoje é de Agosto a última noite
A lua ficou em quarto crescente
Estou longe de ti
E o sumo desta conversa ligeira e tonta
(que eu sou tagarela, bem o disseste)
É que não consigo fugir à difusa tristeza, talvez melancolia
De não ser contigo que a passo
Mesmo que, mesmo que
Isso não tenha importância nenhuma
Que não cai o mundo por isso
Nem o gato vai às filhozes
Nem este meu amor por ti que não é
Nada do que me tem aparecido
Nas canções de hoje, nem este meu amor
Vacila ou se esbate.
Hoje poderia ser a última noite
De Agosto mas nem é. Será
Amanhã. Mesmo assim nem amanhã
Poderia ser tua e minha aqui. Mas
Se fosse... Seria ela mais bela
Que a noite que sinto por te ter
Ao escrever estas toscas linhas?
Meu amor, meu amor, meu amor.

***

29 de Agosto
Amo-te e não sei

Eu amo-te e não sei
O que isso quer dizer. Nem tu.
Nem sei o que sabes por me ouvir.

Há coisas que sei. O sobressalto
Saboroso, nada assustador,
De te ver passar os meus umbrais...

Ou quando o impertinente toque
Do meu telefone é mais que benvindo
E é a tua voz suave que me acorda.

Não sei se me amas como te amo –
Pesemos lá essas coisas, meçamos
Até onde poderemos ir! – A sensatez

Do peso e da medida aqui são insânia.
Tudo o que conta é o sorriso calmo
Verdadeiramente calmo, o suspiro
Da simples entrega e o tactear nocturno
Do outro que tem que estar ali porque sem ele
Eu não sou, eu não quero, eu não durmo.

***

29 de Agosto
Carta simples

Ah, se eu fosse de épicos poemas que épico seria
O poema que está dormente em mim...
Aquelas coisas do dia a dia e de repente
Sentir uma inquietação um não sei quê que me faz
Chorar quando acordo ou então
Nem sequer conseguir dormir...

E nisto entras tu, pois como poderia ser de outra forma,
Não estou eu enamorado de ti? E depois – apesar
De tanto falarmos disso, do drama
Que somos capazes de pôr de lado
Como uma contribuição a pagar – sentir
Às vezes, como quando as costas doem, uma moinha
Indefinível, que sei lá...
(Mandei-te um recado que fiz por ser do mais bonito
E não respondeste... Pois, tens a tua vida
E eu a minha, ambas bem cheias, quando será
Que terei esta casa arrumada...Mas lá está
Olho para o telefone, ai os telefones que afinal
Ainda nos dão mais ansiedade! , e não há
Nem uma resposta nem uma tentativa de falar...)

Ah, mas isto não é razoável por saber
Que tu nem és assim! És atento e delicado
E há bem pouco me disseste, por outras desvios, eu sei,
Que até gostavas de mim...

E eu devo confiar... E aliás que importância tem
Que gostes ou não se sei que não tarda
A inevitável separação! Talvez até eu queira
Razões para pensar, ora, se alguém sofrer
Que seja eu, que estou habituado...E nem sequer
É essa uma má forma de viver, lá por isso...

Mas mesmo remando esforçadamente
Contra marés e rios que em vez de correr para o mar
Se deixam ir molemente no que o mar desvaira
Eu sei que a minha deriva vai parar em ti
Nessa difusa imagem de ti
E de tudo o que se disse quando devia haver
Uma madrugada
Porque a noite não é bastante.

E agora toca aquela canção que esperou
Quase quarenta anos para ser mesmo verdade...
E telefono-te... E em pouco tempo se vai
Constrangimento, receio... E dizes da tua maneira
Indirecta
Que dormes mal e eu forço-te a confessar que é
Porque não dormes comigo...

E tudo fica bem.

***


Cam

A cam, aqui na net tem servido
Para cenas com o seu quê de escabrosas
Imagens desfocadas de masturbadores
A pedirem que lhes digas
Aquilo que os levará a uma espécie de ilusão
(pois que nem ilusão pode ser)
Uma forma qualquer de adormecerem
O corpo por despertarem sentidos

Hoje contudo
Tem-me servido para ver o teu sorriso
Os teus olhos gaiatos
(Escreveres lol é redundante)
Como se estivesses ao pé de mim como dantes

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