quarta-feira, dezembro 13, 2006

Carta de Dezembro

Está tudo calmo. Os meus
Foram-se deitar há que tempos
Que são gente de bons costumes e cedo erguem.
Na lareira o lume também se extingue
Deitei-lhe dois tronquitos mas não aviva.
Pus música ao calhas: Não a tua
Que trouxe para ouvir continuamente
Mas uma que me tocou quando tinha
A tua idade. O trompete geme
As penas de um amor bruxo e louco
Depois de ter feito o melancólico louvor
Dos jardins de Aranjuez.

Lá fora, imagina!, há
Mesmo assim luar - uma lua indecisa
Mas que abriu o meu jardim de noite.

Ai esta minha casa! Tem tanta paz!
E tem-te tanto! Hoje, que incrível,
Só me lembro da primeira vez que vieste
E do cobertor que nos cobria
Nesse nascer do sol coberto! A revelação!
E eu com tanto medo... podia lá ser!

Escrever isto é choro? Mas não tem nada
A ver com tristeza... Uma nostalgia doce, talvez
Que eu sei que um homem não chora. E tanto
Tenho posto à prova o homem que sou... ou
O que queria ser...

O tempo é ácido e dissolve e eu temo.
A vida que tenho vivido! Tanto provoco
A Senhora Morte e há tanto tempo! Pensei
Um dia quando sabia menos (ou mais, ah!
Essa questão!) que só assim a minha condição
De homem se afirmava... Ser guerreiro sempre,
E até brigão, para vencer o medo
Que estava impresso nos meus genes...

Embrulhados na manta que nos levou, friorentos,
À procura do sol nascente, tudo o que eu era
Deixou de ser. De repente eras tu
Quem me fazia viver. Nascesse o sol ou não
Estavas ali, trémulo de frio, enroscado em mim
Que estava trémulo de amor.

Choro? Pois choro. Não é porque esse momento
Tenha deixado de existir. Nem sei porque é.
É porque não estás aqui. É porque sem ti
Tudo o que tinha sido meu e tão sólido
É só espera, aquela ansiedade que faz
Olhar o relógio mil vezes, talvez não venha...

Onde estás agora? Aí, onde o mundo é teu...
E estar feliz por estares feliz nesse lugar
É o lado certo da distância.
Que egoísta sou por não ter sempre por companhia
O riso que me habita quando te tenho ao pé!

Mas já me tinham dito... mesmo que corra bem
O amor faz sempre lágrimas... eu que não acreditei
Agora, envergonhado, tenho que me render...
Dói, dói, mas dói o quê? Que dor é esta quando sei
Por tudo o que não dizes que também eu
Estou em ti?
E que devia estar tão tranquilo na ausência
Como quando ao meu lado me fizeste cúmplice
Da beleza?
Mas é assim que sou... Tão dramático! E tu
Que falas de drama
Como uma interjeição, tanta serenidade
Me dás!

Onde vou eu já! Que longa é
Esta carta de Dezembro, de madrugada
A ouvir o trompete dolente de uma saeta
Com o lume da lareira tão adormecido
Como deves estar agora, aí onde estás...

E eu que tanto queria mandar-ta!
Mas como posso, isto é indecoroso!

Não é o amar-te, não, que isso é alegria
A maior de todas, a sem par, mas ser
Em vez de um guerreiro um pedinte
Um timoneiro perdido que sente perdido o rumo
Quando não és tu que o norteias...

Que encargo pode ser a suspeita de um lamento!
Tanto queria que de mim só recebesses
Prendas, leveza, e que o meu amor não
Te assustasse! Devia calar-me! E quanto
Mo recomendaram... Olha que o afastarás
Com o teu exagero! Olha que
O amor se quer discreto e calmo, falar
De amor é matá-lo!
Que sei eu disso...
Mas sei que é melhor calar quando falo
Contigo directamente, mesmo quando digo
Que te amo... Pareço-me tão ligeiro
Como se quisesse que não lhe desses
Importância...
Mas é tal a euforia
Quando de ti vem, simples, quase murmurada
Uma expressão de correspondência...

.......................

Tudo isto é o que me vem à cabeça agora
Nesta madrugada suave e só com a lua a pôr-se
O lume a apagar-se e a música a chegar
Ao fim.
Vou-me deitar porque acordarei contigo
A falar-me de uma coisa bela que viste
E a dizer que pensaste em mim..

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