terça-feira, dezembro 26, 2006

À espera

Faltam uns minutos; ele vem aí
O desejado
Estar para ele inteiramente é ansiedade
Devo olhar para o lado
Fazer-me de propósito distraído
Para lhe pertencer doce e à vontade
Irmãos amantes no lugar especial
Que nos foi dado.

domingo, dezembro 17, 2006

Doze vezes dezassete palavras

1
Ácido é o fruto da laranjeira verde
No Outono quis colhê-lo
Tarde contudo demais para lhe chegar

2
Caiu inocente a folha da inexistente faia
No meu chão de pedra adormecida
Ao acordar insomne esmaguei-a

3
Não sentem as sementes o medo
Da vida com que serão castigadas
É tão claro o deserto!

4
Murmurou-me um, calmo, “o som
Agitado que te trago é o verdadeiro”
No meu grito nem ouvi.

5
A lua surge quando os que sabem
A escutam. Eu
Só a sei ver ao ficar cheia.

6
O monge soprou uma nota só
E afastou-se. O imperador que o chamou
Ficou preso ao trono.

7
A noite é uma mortalha aberta
Mas eu não tenho sono
Que estranha música estou a ouvir!

8
As cegonhas voam para um destino
Que desconheço ignorando
Que a sua sombra me ensombrou os sonhos.

9
Há gente lá fora! Corre! O Fogo é dono seu!
Água é o que queria beber
Agora.

10
Os meus ossos e o meu sangue
Ficarão matéria escura ou cinza
Está um dia tão bonito!

11
Era verdade o que diziam. E eu era
Tão surdo então como sou ainda
Mas dormia melhor.

12
Se tivesse havido uma longilínea flor
Num delicado vaso, vivamente oferecida
Não deixaria de ser coisa morta.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

tusso

escavo no carvão que me cobre as pernas
podem as penas ter sobrevivido ao incêndio?
encosto-me ao tecto onde as ervas nascem
mas o sentimento escravo que me ofende
é mais forte... vem fora mas dói dentro

tusso os males que respiro com prazer
que tipo de combustão me falta provar?
estou farto da sede e do sangue a ferver.
aninho seres inertes no canto do quarto
são poucos, grandes... não podem durar!

insisto no mar que me passa as entranhas
será por isto que as luzes se acanham?
quero penas polidas mas crias sem brio
montanhas vestidas que vibrem de frio
mas ao acordar que os meus olhos cintilem.

Carta de Dezembro

Está tudo calmo. Os meus
Foram-se deitar há que tempos
Que são gente de bons costumes e cedo erguem.
Na lareira o lume também se extingue
Deitei-lhe dois tronquitos mas não aviva.
Pus música ao calhas: Não a tua
Que trouxe para ouvir continuamente
Mas uma que me tocou quando tinha
A tua idade. O trompete geme
As penas de um amor bruxo e louco
Depois de ter feito o melancólico louvor
Dos jardins de Aranjuez.

Lá fora, imagina!, há
Mesmo assim luar - uma lua indecisa
Mas que abriu o meu jardim de noite.

Ai esta minha casa! Tem tanta paz!
E tem-te tanto! Hoje, que incrível,
Só me lembro da primeira vez que vieste
E do cobertor que nos cobria
Nesse nascer do sol coberto! A revelação!
E eu com tanto medo... podia lá ser!

Escrever isto é choro? Mas não tem nada
A ver com tristeza... Uma nostalgia doce, talvez
Que eu sei que um homem não chora. E tanto
Tenho posto à prova o homem que sou... ou
O que queria ser...

O tempo é ácido e dissolve e eu temo.
A vida que tenho vivido! Tanto provoco
A Senhora Morte e há tanto tempo! Pensei
Um dia quando sabia menos (ou mais, ah!
Essa questão!) que só assim a minha condição
De homem se afirmava... Ser guerreiro sempre,
E até brigão, para vencer o medo
Que estava impresso nos meus genes...

Embrulhados na manta que nos levou, friorentos,
À procura do sol nascente, tudo o que eu era
Deixou de ser. De repente eras tu
Quem me fazia viver. Nascesse o sol ou não
Estavas ali, trémulo de frio, enroscado em mim
Que estava trémulo de amor.

Choro? Pois choro. Não é porque esse momento
Tenha deixado de existir. Nem sei porque é.
É porque não estás aqui. É porque sem ti
Tudo o que tinha sido meu e tão sólido
É só espera, aquela ansiedade que faz
Olhar o relógio mil vezes, talvez não venha...

Onde estás agora? Aí, onde o mundo é teu...
E estar feliz por estares feliz nesse lugar
É o lado certo da distância.
Que egoísta sou por não ter sempre por companhia
O riso que me habita quando te tenho ao pé!

Mas já me tinham dito... mesmo que corra bem
O amor faz sempre lágrimas... eu que não acreditei
Agora, envergonhado, tenho que me render...
Dói, dói, mas dói o quê? Que dor é esta quando sei
Por tudo o que não dizes que também eu
Estou em ti?
E que devia estar tão tranquilo na ausência
Como quando ao meu lado me fizeste cúmplice
Da beleza?
Mas é assim que sou... Tão dramático! E tu
Que falas de drama
Como uma interjeição, tanta serenidade
Me dás!

Onde vou eu já! Que longa é
Esta carta de Dezembro, de madrugada
A ouvir o trompete dolente de uma saeta
Com o lume da lareira tão adormecido
Como deves estar agora, aí onde estás...

E eu que tanto queria mandar-ta!
Mas como posso, isto é indecoroso!

Não é o amar-te, não, que isso é alegria
A maior de todas, a sem par, mas ser
Em vez de um guerreiro um pedinte
Um timoneiro perdido que sente perdido o rumo
Quando não és tu que o norteias...

Que encargo pode ser a suspeita de um lamento!
Tanto queria que de mim só recebesses
Prendas, leveza, e que o meu amor não
Te assustasse! Devia calar-me! E quanto
Mo recomendaram... Olha que o afastarás
Com o teu exagero! Olha que
O amor se quer discreto e calmo, falar
De amor é matá-lo!
Que sei eu disso...
Mas sei que é melhor calar quando falo
Contigo directamente, mesmo quando digo
Que te amo... Pareço-me tão ligeiro
Como se quisesse que não lhe desses
Importância...
Mas é tal a euforia
Quando de ti vem, simples, quase murmurada
Uma expressão de correspondência...

.......................

Tudo isto é o que me vem à cabeça agora
Nesta madrugada suave e só com a lua a pôr-se
O lume a apagar-se e a música a chegar
Ao fim.
Vou-me deitar porque acordarei contigo
A falar-me de uma coisa bela que viste
E a dizer que pensaste em mim..

segunda-feira, dezembro 11, 2006

]...[

já as montanhas noivaram do frio
e pequenos cristais navegam no rio
icebergues cientes da minha diversidade
impulsos pacientes que cumpro e sorrio
vãos bruscos, correntes de nula vaidade

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Não sei, não

Não sei, não. Não sei o que sabes
Do que tento revelar, tão óbvio,
Não sei o que não sabes quando talvez saibas
Que o que fazes e eu temo me faz não saber
Quem és, nem o que queres, nem se sabes
Que algures aí um espinho me fere.

Não sei do que aprendi, nem do que tento
Saber, pela razão calma e ponderada,
Por saber que é assim que virás a saber
Como um percurso se constrói. É a tua vida,
És tu que sabes dela e não eu. Que nada sei
Nem do que sentes e não dizes, nem do que sinto
Quando digo. Não sei nada, mesmo nada,
Uma vida inteira a aprender, a querer
Saber, e agora do que sei prefiro não saber
E nem sei se não sei nada, porque sei
Que em mim se revolta um ser que não conheço
Que não domino, de que não quero saber.

E aí mesmo o acalmo. Ao ignorá-lo ele volta
Para os infernos onde se esconde atento. E isso
Eu também sei: é só um demónio mesquinho
Que travesso insiste em turvar a limpidez do que
Quando sereno, reflete a cada momento
O que ambos sabemos que afinal somos.

domingo, dezembro 03, 2006

sabes... nao sabes?

sabes? não sei!
mas sei que quando não sei
as coisas ficam assim, sabes?

ficamos, não sei! sabes?
mas sei, que se fico
sabes?, assim sem saber
ou a saber o que sei
sabes?, não sei o que sabes,
sei! que pelo menos não sabes
que sei, não sabes?
e se sei o que sabes
sabes?, não sei o que não
sabendo sabes...

sabes?

sábado, dezembro 02, 2006

Visita

"Gostei muito", disseste, ou "adorei"
Não me lembro bem do termo que empregaste
Mas sei que eu disse "também gostei"...

E que mais poderia dizer naquele lugar e
Naquela hora: as multidões da manhã a correr
Para o comboio – e pelo comboio seria
A nossa separação...

Cais 3 o teu, o meu cais 7 - ai essas estafadas
Analogias dos caminhos paralelos!
E ainda há pouco te acariciava docemente
Os cabelos, o corpo, ou dava a mão
Como se uma cama fosse um enorme campo
Onde tivéssemos medo de nos perder
Um do outro.

Que feliz fui... que feliz me fizeste...
Eu é que falo, eu sei, e falo demais
A percorrer veredas e a descansar em largos
Dessa cidade tão bonita que me fizeste descobrir
Horizontes inesperados no alto de escadarias
Ou mistérios desvendados ao virar de uma esquina
Coisas que toda a gente sabe e vêm nos guias turísticos
Que não nos demos ao trabalho de ler
Tudo era revelação.

E as pessoas apressadas sob a chuva miúda
Com coloridas sombrinhas
Enquanto as víamos abrigados pelo toldo
Que as enquadrava como num filme
Ou os amantes que se beijavam, que inveja!,
Como nós desejaríamos fazer, não fosse
Aquele carro estacionado ali mesmo
Com o condutor lá dentro...

O rio por todo o lado insistia
Em dar cenário ao que sentia
Reflexos de verdades ocultas
Monumentos que sem ele seriam frios.
E o teu sorriso o teu amor a ser o sol
Destes dias enevoados
Mas não fez mal que fossem assim, até foi romântico!

E ver-te jorrar
Com o rosto a traduzir o que palavras não dizem
Místicos êxtases e o conhecer verdadeiro
De uma entrega total.

...

São estas as coisas que se guardam
Nos secretos escaninhos da memória
Como as fotos que fiz de ti e que agora
Não quero ver porque ao vê-las só acontece
Lembrar - e quem és fica escondido
Fixado e rígido numa imagem
Não é o corpo, a voz, o sorriso
E a cadência dos passos que me acompanharam
Nas ruas dessa cidade
Que continuará a viver sem mim.
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