Eu sei, meu amor, quase tudo o que foi
Escrito sobre os que como eu são e se portam. Eu sei
Mesmo, por tudo o que me tem sido mostrado,
Que sobram razões para estar tranquilo, acalmado
Pelo amor, amizade, o que lhe quiseres chamar,
Que tenho recebido, mesmo sem corresponder,
Porque pouco tenho dado.
Eu sei, meu amor, que quando te encontrei
Nas travessas escusas em que o destino se acoita
Nem percebi que, mais que trocista, desta vez,
Ele estava a pôr-me à prova; cruel talvez,
Talvez animado por justiça elementar.
Mas tantas metáforas! Tudo isto p’ra dizer
Que o meu coração se apertou e ferveu o sangue
Quando a altura da prova chegou; e de prova a provação -
Subtil diferença! – foi um passo e o que outrora
Dizia, cheio de amorosa convicção,
Foi corroído pela injusta dúvida que, sem razão,
Te fazia, do que então eras, seres diferente agora.
Eu sei o que sou, ou o que fui, e de que forma
Transformei em veneno os vinhos inebriantes
Que acompanharam os banquetes em que fui convidado
Do amor; e como, zangado, os abandonei
E reduzi a escombros os sólidos edifícios de antes.
Agora, meu amor, contudo, é forte o propósito
De não esquecer o que ficou registado
No poemário que escrevi e releio, a ti dedicado.
É nele que deves crer, que é nele que creio.
Poemas de amor dão mentiras enroupadas
De sentimento febril. Mas não desta vez:
É verdade o que lá está e não quero que mude.
Por isso lutarei, mesmo traído pela emoção, contra
O monstro que me estoura as costelas e tudo ilude,
A falsa dor de um espírito atormentado
Pelo mal que a si próprio quer: e pela razão
Nunca esquecer o bem que me foi dado.
Quero que me ames, claro! Que o teu amor
É alimento diário, causa de alegria, inspiração.
Mas sei também que o amor, mais que merecido
É ofertado. E vindo um dia a dor de o ter perdido
Que ela não seja ignóbil, mas se enobreça por saber
Que é belo o teu caminho e me coube a graça
De ter sido também o meu, por ti iluminado.